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terça-feira, 6 de julho de 2010

A criação poética


A criação poética é descrita nestes versos fabricados por Adriana Calcanhoto e Waly Salomão. Utilizando-se de uma metalinguagem que se constrói por recursos poéticos, os poetas delineiam o processo de criação que não dispensa a tensão e a dolorosa via do trabalho árduo que é lutar com palavras.

A FÁBRICA DO POEMA

Sonho o poema de arquitetura ideal
Cuja própria nata de cimento
Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair
Faíscas das britas e leite das pedras.
Acordo;
E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
Acordo;
O prédio, pedra e cal, esvoaça
Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
Acordo, e o poema-miragem se desfaz
Desconstruído como se nunca houvera sido.
Acordo! os olhos chumbados pelo mingau das almas
E os ouvidos moucos,
Assim é que saio dos sucessivos sonos:
Vão-se os anéis de fumo de ópio
E ficam-me os dedos estarrecidos.
Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
Sumidos no sorvedouro.
Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
No topo fantasma da torre de vigia
Nem a simulação de se afundar no sono.
Nem dormir deveras.
Pois a questão-chave é:
Sob que máscara retornará o recalcado?


Você há de convir, caro leitor, que é de uma beleza inigualável. É isso.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pílulas de Cazuza



O poeta se foi, mas a obra o eternizou na terra dos homens.
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Vida louca vida
Vida breve
Já que eu não posso te levar
Quero que você me leve
Vida louca vida
Vida imensa
Ninguém vai nos perdoar
Nosso crime não compensa

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Poetas e loucos aos poucos
Cantores do porvir
E mágicos das frases
Endiabradas sem mel
Trago boas novas
Bobagens num papel
Balões incendiados
Coisas que caem do céu
Sem mais nem porquê

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Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára
Não pára, não, não pára

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Amor da minha vida
Daqui até a eternidade
Nossos destinos
Foram traçados na maternidade

Paixão cruel desenfreada
Te trago mil rosas roubadas
Pra desculpar minhas mentiras
Minhas mancadas

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Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma prá viver
Ideologia!
Eu quero uma prá viver...

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Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

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Tô cansado de tanta babaquice, tanta caretice
Desta eterna falta do que falar

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Porque eu só canto só
E o meu canto é a minha solidão
É a minha salvação

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Palavras que fincaram raízes no solo pedregoso da vida humana e conseguiram florescer e perfumar os dias. É isso.

domingo, 4 de julho de 2010

Um pouco de Hermann Hesse


"A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode.
Todos levam consigo, até o fim, viscosidades e cascas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros que são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas, cada um deles é um impulso em direção ao ser.
Todos temos origens comuns: as mães; todos proviemos do mesmo abismo, mas cada um - resultado de uma tentativa ou de um impulso inicial - tende a seu próprio fim.
Assim é que podemos entender-nos um aos outros, mas somente a si mesmo pode cada um interpretar-se."

O homem em busca de si mesmo. Essa é a linha que perpassa toda a obra do escritor alemão Hermann Hesse e garante uma certa unicidade dos temas trazidos para a reflexão do leitor. Entre temas considerados secundários e que passam pela religiosidade, valores, moral, misticismo, ânsia de viver, desejo, entre outros, sobressai aquele que apresenta o homem como garimpeiro de si mesmo. E a comparação não é grosseira. Tal como o garimpeiro que extrai da terra minerais preciosos após longas horas de busca incessante e incansável, o homem desenhado nas páginas dos livros de Hesse volta-se para a mina pessoal que o concerne e busca meticulosamente o ser. Ser que não é constituído tão-somente de pedras preciosas, mas revela-se um misto de cascabulho e grãos preciosos. Recorrendo à parábola bíblica, podemos dizer que o ser projetado por Hesse nas páginas que lhe deram o prêmio Nobel de Literatura é feito de joio e trigo; revela-se mercenário e pastor e traz a um tempo a ovelha e o lobo (da estepe?) entranhados nos fios que tecem sua constituição psíquica e espiritual. Eu diria até que os temas elencados acima formam uma espécie de cenário que serve de pano de fundo para aquilo que nas personagens de Hesse é essencial: destruir a casca de ovo que as envolve, ou seja, abandonar um mundo tido como cômodo, já-conhecido, dado, para re-descobrir a si mesmo vasculhando o interior a partir do confronto diário com a realidade e com o outro. Essa rede lançada sobre o interior e o exterior cria as condições imprescindíveis para que encontrem o objeto permanente do seu desejo: o ser.
A obra de Hermann Hesse é autobiográfica. Filho de pais protestantes que queriam-no pastor, Hesse recusa a religião, abandona cedo a casa paterna e segue para a Suiça, onde naturaliza-se. A partir de 1911, entra em contato com a espiritualidade oriental quando de uma viagem à Índia e conhece a psicanálise através de um discípulo de Jung. Essas influências balizarão, daí em diante, a obra do autor. Oportunizo breve resumo colhido na internet das obras que li e nunca esqueci:

DEMIAN

O livro conta a história de um jovem - Emil Sinclair, protagonista e narrador - criado por pais muito piedosos que, de repente, se vê em um mundo bem diferente daquele pregado por seus pais e avós. Atormentado pela falta de respostas às perguntas que faz sobre sua existência, passa a procurar na introspecção suas respostas. Dividido entre o mundo ideal e o real, com suas interpretações (mundo claro e paternal, associado às idéias de seus pais e à residência destes, e o mundo sombrio e frio, externo à residência dos pais e com valores estranhos a estes), Sinclair experimenta ambos, através do confronto com suas próprias concepções, para tentar encontrar sua verdadeira personalidade. Percorrendo este caminho perigoso, influenciado por Max Demian, um colega de classe precoce e envolvente, ele prova do crime, da amizade e das incertezas - surpresas que engendram as descobertas de sua vida adolescente. Sinclair, então, se rebela contra as convenções sociais e descobre não apenas o doce sabor da independência mas também seu poder de praticar o bem ou o mal. A relação de Sinclair e Demian atravessa toda a narrativa a partir do momento que os personagens se conhecem. Demian revela a Sinclair que existem filhos de Caim, pessoas que possuem a capacidade de exercer o bem e o mal; também apresenta a entidade Abraxas, divindade de características humanas - também capaz de exercer o bem e o mal. A obra tem muitas referencias bíblicas, como o Sinal de Caim e o Gólgota, tornando dificil a leitura a quem não sabe muito sobre a religião cristã, mas também trata de misticismo e autoconhecimento, da busca da essência do Eu. A obra narra principalmente os conflitos internos que um indivíduo passa desde a infância, através da adolescência, até sua idade adulta. É possível afirmar que Demian trata-se de um romance iniciático, descrevendo os contatos de um indivíduo com aspectos existenciais e de sua personalidade.
Fonte: Wikipédia

O LOBO DA ESTEPE
O Lobo da Estepe é a história de um intelectual cinqüentão vivendo em plena desvairada década de 1920 que, após abandonar a regrada vida burguesa, se entrega à dissipação da vida boêmia dos bares, dos salões de dança onde aprende o jazz, e das elegantes cortesãs.

O erudito Harry Haller vive o tempo toda a tensão entre a vida sublime de seus grandes poetas e músicos - Goethe e Mozart, mormente, com os quais inclusive tem encontros imaginários ? a vida da alta cultura, do espírito, dos Imortais, e a vida das profundezas da superficialidade, do sensual, da carne, a que é conduzido por Hermínia, mulher da noite que conhece em um bar e alter ego de um amigo de infância que muito o impressionou. Vive, portanto, atraído por dois pólos magnéticos opostos, um representado pela vida noturna, pelo álcool, pelos cigarros, pelo jazz, pelas meretrizes e pelo despertar ao meio dia; o outro pela vida ascética, diurna, tranqüila, de jardins bem cuidados da família burguesa vizinha que admira logo no primeiro capítulo como alguém que sente nostalgia por um paraíso perdido.

Fonte: http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_2425.html

GERTRUD
Esta obra foi escrita já numa época em que o autor havia alcançado a sua maturidade plena. É um texto de uma beleza extraordinária, tanto do ponto de vista formal como do seu conteúdo, tematizando a irredutibilidade da experiência estética e da arte (neste caso a música) à vida humana.

O autor retoma a concepção do artista que transfigura a experiência, sublimando a sua vida através da arte, procurando sobreviver à realidade e às contingências do quotidiano. É pelo impulso criador que se opera essa sublimação, despojando-se o artista da sua própria vida para poder sobreviver à infelicidade e escapar ao seu mal-estar.

A personagem central do romance é Kuhn, um jovem que, após sofrer um violento acidente, perde a sua pujança física e fica definitivamente marcado pela sua deformidade. A tragédia pessoal não lhe traz apenas azedume e amargura perante o seu futuro, mas desenvolve nele a capacidade de a transfigurar, acrescida de um amor frustrado, em arte sublime, impregnada de nostalgia e tristeza melancólicas.

Autora: Maria João Cantinho

NARCISO E GOLDMUND
Dois homens medievais, um em tranquilo contentamento com a sua religião e vida monástica, o outro numa fervente busca de uma salvação mais profana, e que parte para se encontrar, passando por aventuras fantásticas...
o conflito entre carne e espírito, o homem emocional e o contemplativo, constituem os temas preferidos de Hesse, temas que transcendem a passagem do tempo. "Parecia uma despedida e era, na verdade, o antegosto de um adeus. Ali, diante do seu amigo, Goldmund, ao contemplar aquele rosto decidido e aquele olhar dirigido para um alvo, sentiu iniludivelmente que os dois já não eram irmãos, companheiros e iguais, que os seus caminhos se tinham bifurcado. Aquele que ali estava à sua frente não era um sonhador nem esperava por apelos do destino: era um monge, comprometera-se, pertencia a uma regra firme e a um dever, era um servidor da Ordem, da Igreja, do Espírito. Goldmundo, porém, como hoje claramente reconhecera, já ali não pertencia, não tinha pátria e um mundo desconhecido esperava-o. O mesmo acontecera outrora a sua mãe. Deixara casa e lar, marido e filho, comunidade e ordem, dever e honra e lançara-se à aventura onde há muito, decerto, tinha soçobrado. Não tivera fito algum, como ele também o não tinha. Ter alvos era bom para os o_tros, não para ele. Oh, como Narciso previra isto de longa data, como tivera razão!"

http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_45177.html

FELICIDADE
Felicidade é uma obra magistral. O que o leitor encontrará nesse livro está longe de um romance com lugar e tempo demarcados, personagens que se movimentam em ambientes requintados ou grotescos e um narrador que se distancia dos fatos para descrevê-los ou conta à medida que os vivencia. Nesse livro, encontramos o próprio Hermann Hesse refletindo sobre sua obra, voltado para os impactos do seu pensamento, compartilhando sua solidão, recordando acontecimentos, cartas, amigos, lugares e fatos do cotidiano. É um livro sobre a felicidade, mas que não traz capítulos dedicados exclusivamente ao assunto. Por que isso? Certamente por que Hesse quis falar de felicidade ao falar da sua própria obra e dos momentos que o conduziram, qual menino guiado pela mãe (Eva?), ao encontro desse estado de espírito que Hesse pronunciava/escrevia com reverência, como atesta o texto da quarta capa do referido livro:

Entre as palavras, existem para cada falante as prediletas e as estranhas, preferidas e evitadas, cotidianas - que se usam mil vezes sem temer o desgaste - e outras - solenes - que, por mais que as amemos, só pronunciamos ou escrevemos com cuidado e reflexão, como objetos raros: fazendo as escolhas que correspondem a essa sua solenidade.
Entre elas está para mim a palavras felicidade
.

Ele conseguiu porque se permitiu vivenciar aquilo que em si brotava espontaneamente, de modo que o ser não lhe era mais estranho nem difícil vivenciá-lo. Permaneceu lobo a vida toda e descansou na estepe que o encontro consigo mesmo permitiu aconchegar.