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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Violência e escola



A violência adentra o ambiente escolar e responde "presente." O que antes era um fato raro de ser presenciado entre dos muros da escola, hoje é uma rotina quase naturalizada. Todas as semanas, estampam-se nos jornais manchetes, notas, notícias sobre casos de agressões sofridas por professores e alunos. O resultado disso é um clima de insegurança que acomete a todos: professores, funcionários, alunos e pais.
Durante esta semana, conversei com alunos da 8ª série do Ensino Fundamental II sobre o assunto e foi proveitoso saber que os medos desencadeados por esse ambiente hostil (mas não só) são compartilhados com aqueles que, na maioria das vezes, são atores nesse cenário que, volta e meia, abriga cenas de xingamento,empurrões, brigas, ofensas de todo tipo, ameaças etc. Durante a partilha de opiniões que concorriam para ver quem expunha primeiro, muitos alunos foram unânimes em atribuir a responsabilidade aos pais (tantas vezes ausentes da vida dos filhos). Outros, por sua vez, atribuíram a responsabilidade às autoridades que ignoram essa realidade e não efetuam mudanças fundamentais, como recuperação das escolas sucateadas e garantia de segurança através da patrulha escolar.
Longe de uma visão determinista que professa que o ambiente faz o indivíduo, acredito que o contato, sempre que possível, com a arte, leituras que favoreçam a crítica da realidade escolar, discussões em sala sobre o tema, cinema e referências humanas contribuem para amenizar os casos de violência que se multiplicam e tomam proporções preocupantes.
A população escolar e pernambucana ficou perplexa com a manchete de um jornal que trazia o caso de uma aluna da escola pública estadual que foi cruelmente agredida com socos, pontapés e cortes no rosto feitos com estilete. O rosto da adolescente, vítima da barbárie, ficou deformado após os golpes de estilete desferidos por aluna da mesma escola. Além do fato atroz, choca-nos a maneira como a Secretaria de Educação tratou o acontecimento. Na imprensa escrita e falada, era perceptível a tentativa da Secretaria em suavizar o peso e a gravidade dos fatos, quando não "tapar o sol com a peneira." Em tempos de eleição, fatos como esse devem ser silenciados para que não compromentam a imagem de governantes que fecham os olhos para uma realidade cada vez mais insuportável e com a qual professores e funcionários são obrigados a conviver todos os dias.

Vale lembrar que a violência não se produz nas escolas. Ela adentra seus muros pelo portão da frente, mas não nasce em seus pátios. O ambiente escolar é o lugar privilegiado da produção de conhecimento, socialização e desenvolvimento humano. Essa consciência deve ser exaustivamente trabalhada com os alunos. Eles têm que aprender a ler o mundo para compreender que violência e escola não combinam e que se excluem drasticamente, uma vez que atitudes de cordialidade e respeito são os parâmetros que permeiam as relações na escola e servem de base para a construção de um mundo melhor.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A memória e as coisas


Passei minha infância, adolescência e parte da juventude em Garanhuns, interior de Pernambuco. Hoje moro em Recife e volto a Garanhuns periodicamente para visitar a família que se abriga à sombra das sete colinas que cercam a cidade. Com um clima agradabilíssimo, Garanhuns recebe milhares de turistas durante os meses de junho e julho. A razão é dada pelo clima, férias e o Festival de Inverno que ocorre todos os anos durante o mês de julho. Quem visita a cidade quer voltar e quem nela viveu, não esquece.
Quando volto a Garanhuns bate uma nostalgia dos meus tempos de menino e a impressão que essa saudade deixa é de uma vida vivida. Recordo amigos, lugares, fatos, pessoas... Cada passo dado pela cidade desencadeia uma série de recordações que me fazem acompanhar o desenrolar de uma história que se encontra profundamente enraizada naquelas terras.
Em casa não é diferente. Meus olhos passeiam pela casa dos meus pais e recaem sobre os objetos organizados em meu quarto (minha mãe insiste em conservá-los e mantê-los no mesmo lugar que deixei). Percorro o quarto, abro meu guarda-roupa, mexo em livros, peças de roupa, álbuns, cartas de amigos, abro caixas, vasculho filmes, releio agendas e tudo me lembra um tempo em que fui muito feliz. As coisas têm uma memória; conservam as vivências e dão testemunho da história. Rever minhas coisas, abrir gavetas e desentulhar objetos é reconstruir meu acervo histórico a fim de entender meu presente e projetar o futuro. Em tudo isso, leio o livro da minha história pessoal e compreendo que o sentido das coisas não estão nelas mesmas, mas adquirem seu sentido das relações que estabelecemos com elas a partir do arranjo existencial que cabe a cada um construir.
Ao retornar de Garanhuns, fica aquela certeza de que minha existência não foi vã nem minhas escolhas medíocres. É disso que me convencem os passos dados, as opções feitas e a memória conservada nas coisas. É isso.

sábado, 15 de maio de 2010

Notas sobre o corpo

Nos últimos dias, tenho refletido sobre os diferentes mecanismos de produção de sujeitos a partir das práticas de controle (intervenção) do(no) corpo. Essa reflexão acentuou-se após a leitura de dois textos escritos por Tais Luso (disponível em seu blog "Porto das Crônicas") e pela escritora Lya Luft (publicado na revista Veja).
Não é de hoje que o corpo tem servido a diferentes formas de sujeição e controle. Só para citar um exemplo: na Idade Média, o corpo era submetido a inúmeras práticas de penitência que iam da abstinência do alimento ao ato de inflingir ao corpo um sofrimento físico pela mortificação mediante uso do cilício, dentre outros instrumentos penitenciais. Assim, o penitente, submetido a uma série de orientações, doutrinas e leis morais produzidas ple Igreja, aplicava ao corpo a penitência capaz de restituir sua amizade com Deus mediante a expiação do seu pecado. Desse modo, nos diferentes momentos históricos, o corpo tem sido alvo de ideologias, instituições e mecanismos de poder que intervêm no sentido de manipulá-lo e torná-lo dócil - no dizer de Michel Foucault. Naquilo que temos chamado de pós-modernidade, o corpo é o palco onde desfilam os discursos que tecem suas formas e modelam seus contornos. Esses discursos advêm de diferentes lugares sociais, institucionais, e, aqui, gostaríamos de destacar a mídia como veiculadora de discursos ligados a diferentes instituições que "dizem" sobre o corpo e normatizam sobre o modo de vivenciá-lo. Assim, o corpo é uma construção para o qual convergem os "dizeres" produzidos na história e postos em circulação pela mídia. Por isso, pode-se dizer que o corpo é simbólico e rico de significados que podem ser lidos no livro da história e dos discursos que o constroem.
Constantemente somos bombardeados por propagandas e anúncios que prometem milagres como a volta aos anos dourados da nossa juventude e/ou adolescência; a conquista do corpo exuberante e saudável sem marcas, rugas, estrias, varizes; a possibilidade de escolhermos a cor dos olhos, da pele, dos cabelos e a saúde que nos garantirá vida longa. Sobre o corpo também planejam, desenham, edificam e modelam ,conforme o desejo do cliente. Com promessas de pôr fim à velhice e seus consequentes incômodos, as indústrias produzem remédios, cremes e uma gama de produtos capazes de disfarçar o desgaste dos anos, mas, nunca, de neutralizá-lo. O processo continua acontecendo por trás das camadas cada vez mais espessas de cremes de todo tipo e para todos os fins.



Assim, fazem-nos acreditar que torneando pernas, mudando a cor dos cabelos, definindo o peito e frequentando a academia "da hora" seremos iguais à modelo que todas as semanas sai em todas as capas de revista sob o título "corpo perfeito" ou ao ator que faz sucesso com a mulherada porque nenhum "deus grego" consegue superá-lo. Dizem ainda que, se assim o fizermos, seremos nós mesmos e, enfim, felizes como nunca fomos. Por trás desses discursos, toda uma indústria da massificação produz sujeitos que vivem e pensam da mesma maneira e, a um tempo, apaga as diferenças a fim de jogar para debaixo do tapete as desigualdades que não se escondem sob o acúmulo de plásticas e doses cada vez mais fartas de anabolizantes.



Atendendo à ordens como "Modele hoje seu corpo", "Faça a plástica que sempre sonhou" ou "Coma bem sem neura", acreditamos que temos o controle e a iniciativa das nossas ações quando não passamos de soldadinhos que encontram-se à mercê das instruções da mídia. Abrimos os jornais e lá estão os anúncios tentadores de produtos que alteram a forma corporal; acessamos a internet e as ofertas de serviços a favor do corpo perfeito são inúmeras; andamos pela rua e outdoors, banners e panfletos nos convencem que somos sempre um pouquinho menos bonitos que o cara que posa num anúncio de calças de grife. O resultado disso é um sem número de neuróticos, insatisfeitos, desesperados porque não conseguem atingir o padrão exigido e único capaz de tornar a todos felizes e plenos. Sob pretexto de que estamos cuidando do corpo porque nos amamos, aplicamos uma vigilância severa e o esculpimos sem descanso. Essa é a senha para fazermos parte daquela parcela da sociedade considerada normal, embora o preço seja a diluição da identidade em fôrmas que reproduzem um único modo de encarnar a vida e se relacionar com o corpo. Será que é assim que tem que ser? Ou somos porque nos dizem que temos que ser desta ou daquela maneira? Nesse emaranhado de discursos, dizeres, sentidos e ideologias até esquecemos quem somos e passamos a ser a mulher da capa de revista ou o cara do outdoor. Nada mais além disso. Lutamos tanto para sermos diferentes e não passamos de iguais que se perdem por não afirmar a diferença que nos faz singulares. Ser singular... Essa é toda beleza.