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quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Retalhos de Clarice


Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingénuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Clarice Lispector in Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres .

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

"Noite"


Há uma composição de Antônio Cícero e Orlando Morais, interpretada por Adriana Calcanhoto no CD Cantada, que tem me chamado particular atenção nos últimos dias. Comprei o CD recentemente e ouvi todas as músicas assim que cheguei em casa. A voz melodiosa e aveludada de Adriana Calcanhoto nos deixa inertes, sob o efeito letárgico dos acordes do violão e das canções magistralmente compostas. Já adormecia quando escutei as primeiras notas do piano de Daniel Jobim que encheram o quarto de uma melodia serena, nostálgica. Em seguida, Adriana começa a cantar a poesia abaixo:


Noite
Vêm lá do canal
Reverberações
Do ladrar de um cão.
Uma dessas noites
Tudo vai embora:
Leve-nos,
Ladrão.
Abre-se o sinal
Sem ninguém passar.
É melhor ser vão
Tudo o que pontua
Nossa escuridão.


Eu, atento, escutava a música como quem recolhe orvalho, ou seja, gota a gota. Silencioso e com a atenção toda voltada para a canção fui recriando imaginariamente a situação figurada que letra e som sugerem. No momento que Adriana canta "Abre-se o sinal. Sem ninguém passar" fui tomado pela imagem de alguém num carro aguardando o sinal abrir sem outros ao seu lado, sozinho. Porém, quando o sinal abre a pessoa permanece parada, pois a desilução a impedem de progredir. Ela permanece estagnada, absorta em seus pensamentos, como alguém que está prestes a desistir de si mesmo. É uma imagem doída, envolta em solidão e escuridão. O som do piano acentua esse estado de alma e favorece a construção de uma imagem triste e sofrida.

De repente, acordei do êxtase provocado pelos recursos estilísticos e sonoros da canção e lembrei do escritor australiano Morris West quando seu personagem, o papa Kiril, escreve as seguintes palavras no seu diário pessoal: "O verão aproxima-se, mas há muitos homens sós e perdidos, para quem a vida é um contínuo inverno." O personagem da música atravessa esse inverno feito de garoa e névoa que turva a visão e fecha o caminho como uma cortina de cedro.

Essas foram minhas impressões da música "Noite". Por falar nisso, adentrei a noite e nem percebi que é hora de abandonar as palavras como foi abandonado o personagem do poema. É hora de dormir e deixar que o personagem da canção e as palavras encontrem um sentido que não seja idílico nem por demais real para que continuem construindo, desejando, chorando, mas caminhando.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

LEITURAS


Hoje voltei do colégio acompanhado da recordação insistente de alguns livros que li. Na ocasião, lembrei que algumas leituras foram determinantes na construção da minha história pessoal. Algumas, em particular, estimularam decisões e/ou modelaram minha consciência. A bem da verdade, eu sou os livros que li. E não foram poucos...

Os personagens e as tramas do alemão Herman Hesse influenciaram-me sobremaneira. A inquietação espiritual e material dos seus personagens eram, na época, também as minhas. Há um desejo constante nas personagens de Hesse de desbravar mundos, conhecer-se e reconhecer-se nas experiências que travam e no contato com o outro. Por isso, o personagem hessiano é alguém que se move, se desloca, porque o conhecimento de si requer o contato com a exterioridade, com o entorno. Mas esse deslocamento não se dá apenas objetivamente, mas subjetivamente, uma vez que é no diálogo, luta e confronto interior que fazemos a experiência daquilo que nos orienta e impulsiona: o desejo. O trajeto que conduz à libertação pessoal é feito de um equilíbrio que desmorona para ser reconstruído num novo patamar de consciência de si mesmo, do outro, do Mistério e do seu lugar no mundo. A leitura de Herman Hesse, um defensor inflamado da liberdade pessoal, fez com que eu tivesse a força e a coragem de caminhar por entre os vales e pântanos que me fazem.

O inglês Oscar Wilde é um escritor dono de uma maneira única e inconfundível de escrever. As reflexões filosóficas que perpassam sua obra não passam despercebidas pelos olhos e mente do leitor. A cada questão colocada, o leitor pára e volta-se sobre si num movimento contínuo de introspecção reflexiva sobre aspectos fundamentais da condição humana. Wilde elegeu a trangressão como personagem principal da sua obra, e o culto a essa entidade sagrada é o pilar que sustenta a beleza da sua arte literária.

Enquanto escrevo, sou assolado por inúmeras lembranças literárias, de modo que poderia citar Rainer Maria Rilke e sua solidão que atravessa as páginas dos seus escritos, Morris West e suas lutas ideológicas, Thomas Mann e sua preocupação com a palavra adequada, Balzac, Umberto Eco e o francês Exupéry.

Por fim, lembro de Clarice Lispector. A obra clariceana ainda me acompanha e, sempre que possível , leio seus livros cujos sentidos não se esgotam numa primeira leitura. Sua obra é uma mina que quanto mais explora-se, mais ouro dá. Clarice, através da palavra, descreveu a condição sagrada do humano e elevou os conflitos cotidianos à condição sublime de verbo que se faz significado.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

domingo, 23 de setembro de 2007

UMA MULHER E UMA UTOPIA


Acredito que contextualizar a crônica e indicar suas condições de produção se faz necessário para o entendimento do ponto de vista que assumo aqui. Desse modo, o texto foi escrito quando ainda era estudante universitário, ligado a movimentos estudantis e com a cabeça fervilhando de idéias e o coração desejoso de sanar as feridas do mundo. Está dito.



Aos 12 de fevereiro de 2005, Ir. Doroty, da Congregação de Notre Dame, despede-se do palco da vida e entra para a história como mártir da causa dos oprimidos. Ela foi friamente assassinada com três tiros a queima-roupa enquanto se dirigia a mais uma reunião onde discutiria o futuro da sua comunidade. Futuro que ela sonhou justo, igualitário e livre. Em vez reunião, um anúncio triste se faz ouvir entre aqueles que, ansiosos, aguardavam suas instruções encorajadoras e palavras de esperança numa manhã sem lágrimas e dor, fome e desespero, opressão e perda da liberdade.

Doroty, durante sua ação missionária em terras brasileiras, lançou a semente da fé no coração de homens e mulheres que se acreditavam vencidos pelo poderosos e descrentes dos seus próprios potenciais de transformação.

Dar vez e voz àqueles que, na história do Brasil, foram feitos pobres, excluídos e marginalizados, foi necessidade constante e, por que nao dizer, inquietante, daqueles que se fizeram arautos da libertação social e histórica, a saber: Chico Mendes, Darci Ribeiro, D. Hélder Câmara, entre outros. Doroty se inclui nesse rol que semeou sonhos no caminho de tantos que já nao sonhavam com dias melhores.

Che Guevara, certa vez, afirmou: "a maior ambição revolucionária é libertar o povo da sua alienação", e foi precisamente isso que Ir. Doroty perseguiu em vida e desejou para o povo brasileiro. Não obstante a injustiça e a desigualdade social grassar o cenário do nosso amado Brasil, temos necessidade premente de que vozes, como a de Doroty, continuem denunciando o autoritarismo do nosso governo, o servilismo do nosso povo alienado e a escravidão daqueles que, penosamente, sofrem quaquer tipo de preconceito, seja racial, religioso ou sexual.

Conformar-se resignadamente às estruturas políticas, econômicas e ideológicas vigentes em nosso país é permitir que essas estruturas se perpertuem socialmente e continuem a reproduzir seus mecanismos de exclusão e miséria. Não basta apenas discutir, escrever e formular soluções abstratas acerca das questões sociais, faz-se necessário uma ação concreta, uma práxis individual e coletiva que funde uma nova ética e, por conseguinte, um novo Brasil, mais inclusivo e igualitário. A revolução proposta por Che Guevara não diz respeito a um discurso abstrato, destituído de força transformadora, mas uma postura cotidiana de protesto às conjunturas autoritárias que oprimem e esmagam o homem sob seus pés iníquos.

Irmã Doroty, nao obstante a idade avançada, demonstrou coragem, lucidez e determinação quando decidiu resolver os problemas sociais do seu povo e, desse modo, devolvê-los a dignidade perdida. Os ícones da libertação sao muitos, e Doroty está entre eles. Mas não é suficiente a admiração anêmica que nao desperta para o engajamento por dias melhores e plenos. A irmã se revestiu da compaixão por todos aqueles que sofrem qualquer agressão aos seus direitos e, assim, se inscreve na história como testemunho vivo no coração dos que foram a razão última da sua ação social, os oprimidos. Além de admirá-la, precisamos nos comprometer como ela e assumir uma postura libertária a fim de que, livres de toda alienação, possamos ver o sol da justiça brilhar sobre nossas cabeças.

terça-feira, 3 de julho de 2007

PALAVRAS SOBRE CLARICE


Pensar Clarice é pensar os limites da condição humana, ou seja, aquele instante em que nos flagramos pressionados pela interpelação que nos chega da realidade, da subjetividade, do mundo espiritual, do outro. Assim sendo, suas personagens travam durante o desenrolar da narrativa uma relação dialética com o seu entorno que as afeta e desconforta porque incomum, inabitual, estranho. A relação com a alteridade é sempre uma relação contraditória, ambígua e tensa que as faz percorrer níveis diferentes de desequilíbrio na busca da felicidade e do conhecimento de si.
A obra de Clarice é marcada pela introspecção e pela sondagem do “eu”. Não um “eu” psicológico, ou seja, um “eu” que se traduz no comportamento do sujeito, mas um “eu” metafísico, que no seu entorno e a partir dele, faz a experiência da transcendência. Em A Paixão Segundo G. H., Clarice Lispector enuncia que “além do mais a ‘psicologia’ nunca me interessou. O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento que só transpassa. Acho que desde a adolescência eu havia saído do estágio do psicológico” (1998:26). A experiência metafísica das personagens claricianas consiste na absorção do mundo e de tudo que é humano pelo “eu”. Ela irrompe do cotidiano, do mundo, do outro, da vida e da morte. Nas suas narrativas cada acontecimento humano, mundano e cósmico é integrado à experiência individual e se reveste de um sentido outro que não aquele imediato e efêmero, mas o que desencadeia um fluxo de consciência que lança o personagem num estado de reflexão que leva à inflexão em busca do equilíbrio existencial. Bosi (1995:424) diz que “há na gênese dos seus contos e romances tal exacerbação do momento interior que, a certa altura do seu itinerário, a própria subjetividade entra em crise. O espírito, perdido no labirinto da memória e da auto-análise, reclama um novo equilíbrio”. A auto-análise de que fala Bosi é precedida pela epifania, ou seja, aquele instante que para Umberto Eco apud Sá (2000:175) “lhe recordava demais um ‘momento de visão’, no qual alguma coisa se revela”. Esse momento epifânico é crucial na vida das personagens claricianas, uma vez que é nesse instante-já que há uma tomada de consciência que revela o desejo essencial furtivamente presente em suas vidas.
A relação de Clarice Lispector com a palavra é uma relação metalingüística, pois constantemente reflete, discute, polemiza e põe em questão o próprio ato de escritura, o próprio fazer literário. Olga de Sá (2000:155) afirma:

Já ficou bastante claro como é importante, na obra de Clarice Lispector, a perspectiva metalingüística do narrador. Não só ele questiona o código, quando procura palavras no dicionário e declara que não sabia que na gíria a palavra ‘galinha’ tinha outro sentido. Mas questiona continuamente a própria narrativa, a essência do ato de escrever, enquanto é preciso usar palavras.


A narrativa se desenvolve numa atmosfera em que a o código lingüístico e seu manuseio é fator de especulações filosóficas, bem como de indagações sobre a estreita relação entre palavra e realidade física e subjetiva. Clarice Lispector confere, ao ato de escrever e ao uso da linguagem para criar mundos hipotéticos, a função instigante de revelar(se), a partir do universo íntimo dos seus personagens, as mazelas sociais, os conflitos existenciais, as crises identitárias, as lutas de classes e a dor humana mais contundente, condição necessária para que se possa vislumbrar o sol de um novo dia, repleto de possibilidades de ser.

domingo, 24 de junho de 2007


É noite de São João. Nas ruas, fogueiras; no ar, o som do crepitar da madeira queimando; no céu, balões e fogos de artifício iluminam a noite fria e chuvosa que debulha silêncio e nostalgia. Longe dos grandes centros que concentram multidões que se empilham para ver/ouvir a banda de forró que sacode as massas, preferi a comemoração tradicional do sítio do meu pai. Sem estruturas homéricas que abrigam shows que nada dizem e, cada vez mais, menos dizem, o sítio nos torna mais próximos do essencial: o convívio familiar, a comida típica, a brincadeira, a conversa, o silêncio, a volta. São elementos, a meu ver, fundamentais para que aprendamos a entrever nas malhas desse dia, véspera de São João, centelhas de felicidade que advêm do cotidiano humanizado porque simples e significativo.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

UMA AMIZADE SINCERA (Clarice Lispector)


Sei que o texto é longo, mas vale um post e uma leitura. Falar do meu amor pela obra clariceana é desnecessário, pois, aqueles que me conhecem, sabem que não saio de casa sem um livro de Clarice Lispector. Quando li esse conto pela primeira vez contava com pouco mais de 13 anos, mas entendi bem sua mensagem. O texto foi apresentado por um amigo que se despediu da minha vida tal qual o personagem do conto. Assim, dedico esse post aos amigos que permanecem nutrindo a certeza de que "somos amigos, amigos sinceros".

Não é que fôssemos amigos de longa data. Conhecemo-nos apenas no último ano da escola. Desde esse momento estávamos juntos a qualquer hora. Há tanto tempo precisávamos de um amigo que nada havia que não confiássemos um ao outro. Chegamos a um ponto de amizade que não podíamos mais guardar um pensamento: um telefonava logo ao outro, marcando encontro imediato. Depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada.
Já nesse tempo apareceram os primeiros sinais de perturbação entre nós. Às vezes um telefonava, encontrávamo-nos, e nada tínhamos a nos dizer. Éramos muito jovens e não sabíamos ficar calados. De início, quando começou a faltar assunto, tentamos comentar as pessoas. Mas bem sabíamos que já estávamos adulterando o núcleo da amizade. Tentar falar sobre nossas mútuas namoradas também estava fora de cogitação, pois um homem não falava de seus amores. Experimentávamos ficar calados — mas tornávamo-nos inquietos logo depois de nos separarmos.
Minha solidão, na volta de tais encontros, era grande e árida. Cheguei a ler livros apenas para poder falar deles. Mas uma amizade sincera queria a sinceridade mais pura. À procura desta, eu começava a me sentir vazio. Nossos encontros eram cada vez mais decepcionantes. Minha sincera pobreza revelava-se aos poucos. Também ele, eu sabia, chegara ao impasse de si mesmo.
Foi quando, tendo minha família se mudado para São Paulo, e ele morando sozinho, pois sua família era do Piauí, foi quando o convidei a morar em nosso apartamento, que ficara sob a minha guarda. Que rebuliço de alma. Radiantes, arrumávamos nossos livros e discos, preparávamos um ambiente perfeito para a amizade. Depois de tudo pronto — eis-nos dentro de casa, de braços abanando, mudos, cheios apenas de amizade.
Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo.
Mas como se nos revelava sintética a amizade. Como se quiséssemos espalhar em longo discurso um truísmo que uma palavra esgotaria. Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois e três são cinco.
Tentamos organizar algumas farras no apartamento, mas não só os vizinhos reclamaram como não adiantou.
Se ao menos pudéssemos prestar favores um ao outro. Mas nem havia oportunidade, nem acreditávamos em provas de uma amizade que delas não precisava. O mais que podíamos fazer era o que fazíamos: saber que éramos amigos. O que não bastava para encher os dias, sobretudo as longas férias.
Data dessas férias o começo da verdadeira aflição.
Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser uma acusação de minha pobreza. Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos.
É verdade que houve uma pausa no curso das coisas, uma trégua que nos deu mais esperanças do que em realidade caberia. Foi quando meu amigo teve uma pequena questão com a Prefeitura. Não é que fosse grave, mas nós a tomamos para melhor usá-la. Porque então já tínhamos caído na facilidade de prestar favores. Andei entusiasmado pelos escritórios de conhecidos de minha família, arranjando pistolões para meu amigo. E quando começou a fase de selar papéis, corri por toda a cidade — posso dizer em consciência que não houve firma que se reconhecesse sem ser através de minha mão.
Nessa época encontrávamo-nos de noite em casa, exaustos e animados: contávamos as façanhas do dia, planejávamos os ataques seguintes. Não aprofundávamos muito o que estava sucedendo, bastava que tudo isso tivesse o cunho da amizade. Pensei compreender por que os noivos se presenteiam, por que o marido faz questão de dar conforto à esposa, e esta prepara-lhe afanada o alimento, por que a mãe exagera nos cuidados ao filho. Foi, aliás, nesse período que, com algum sacrifício, dei um pequeno broche de ouro àquela que é hoje minha mulher. Só muito depois eu ia compreender que estar também é dar.
Encerrada a questão com a Prefeitura — seja dito de passagem, com vitória nossa — continuamos um ao lado do outro, sem encontrar aquela palavra que cederia a alma. Cederia a alma? Mas afinal de contas quem queria ceder a alma? Ora essa.
Afinal o que queríamos? Nada. Estávamos fatigados, desiludidos.
A pretexto de férias com minha família, separamo-nos. Aliás ele também ia ao Piauí. Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.

("Felicidade Clandestina", 1998)

sábado, 3 de março de 2007

Mais uma crônica do mestre Paulo Gervais



"E os que não marcham, nem sacolejam, nem vão atrás dos trios elétricos?"


Sábado. Fui a uma loja no centro da cidade para fazer umas compras. Primeiro ao me dirigir ao vendedor da loja, senti que quase gritava e que ele tinha dificuldade para entender o que eu queria; depois eu mesmo corria pelos corredores da loja como se estivesse fugindo de alguma coisa, e ele inquietava-se tentando inutilmente atinar com os detalhes do meu pedido. Na hora de fazer o pagamento, a fila, com apenas uma pessoa na minha frente, parecia ter cem e demorar-se infinitamente para andar, e a atendente olhava-me compadecida, quase pedindo desculpas. Eu suava. O cenho franzido, os olhos quase fechados. O coração batendo numa aceleração de bicho acuado, disposto a correr ou a matar. O que eu via e ouvia que me deixava assim não devia me deixar assim e mais do que isto: fazia promessas de pacificar o meu espírito! Levantado num palco, adornado por indefectíveis bolas de sopro (Ó coloridos ventos!!) e abastecido por enormes caixas e instrumentos de som, alguém gritava (ainda que dissesse estar cantando...). E se era para me convencer de alguma coisa, suas palavras não chegavam para constituir um argumento, e se era para tocar a minha alma, tudo que logravam obter de mim era a vontade de não estar ali. O que quer essa gente afinal, gritando assim em praça pública o seu credo pessoal? (a praça que é de todos, inclusive dos que não crêem...?). Em que lei, ou razão, ampara-se o comportamento de uma pessoa ou instituição que, embora seja livre para dizer e praticar a sua fé, o faz contra o direito dos outros ao silêncio e à privacidade? Como se justifica dar a alguém o direito de gritar tão alto (ainda que seja o nome de Deus, ou do que é justo ou verdadeiro...) que em redor os outros se incomodem na sua privacidade (não consigam dormir, ou ler, ou assistir tv, ou ficar em silêncio, ou trabalhar, ou dizer as suas orações no recolhimento da sua casa?) e instalar-se no espaço público interceptando as pessoas como se elas tivessem que dar-lhes ouvidos? Que espécie de gente é esta que quer impor-se pela altura do som da sua voz, como se os outros, incomodados, é que devessem retirar-se? Aqui não vai uma crítica à fé, mas à maneira de manifestá-la, contrariando um princípio básico da vida social, que no Brasil se orienta pela natureza laica e democrática do Estado: somos diferentes uns dos outros, e deve ser garantido a cada um de nós, sem distinção, sentir, pensar e fazer respeitando o outro. A lei, produzida pelo Estado, deve ser o limite do exercício da nossa liberdade. A lei sim, contra os despotismos de toda natureza: político... ou religioso. A consciência livre é a arma que o cidadão deve manter engatilhada contra a tentação dos absolutismos, a tentação de ceder à maioria, de fazer por que todo mundo faz, de ser por que todo mundo é. É necessário dizer não. Ser do contra, no corpo e na alma, na vida privada como na vida pública, para salvaguardar a dignidade do homem... e de sua fé (seja ela qual for). Amém?

sexta-feira, 2 de março de 2007

A difícil arte de ensinar.


Não sou professor de longa data, embora exerça o magistério desde que ingressei na faculdade. Mas, como não faz muito tempo que colei grau, então, isso faz de mim um professor que engatinha na difícil arte de ensinar.

Cada dia é um desafio revestido da imprevisibilidade peculiar aos indivíduos que formam o nosso público, os alunos. Cada aluno representa uma história prestes a ser contada. São como pergaminhos que se desenrolam à nossa frente e que lemos, tantas vezes, com o mesmo dissabor que lemos um livro de autor indesejado. Sua vida é tosca, seu comportamento é agressivo, sua perspectiva é estreita e o respeito por aqueles que cuidam da sua educação é anêmico. Nisso, há a parcela de culpa do aluno e há aquela que cabe à instituição. No que tange à instituição, temos a falta de compromisso, responsabilidade e criação de um lugar agradável onde o aluno sinta prazer, e não obrigação em se encaminhar todas as manhãs para o estabelecimento de ensino. Tantas vezes o faz como se estivesse se dirigindo ao matadouro.

Por outro lado, a profissão tem sua riqueza. Nós, professores, temos, todos os dias, a possibilidade única e singular de conhecer nossos limites e nos reconhecermos frágeis. Desse modo, abandonamos a imagem de homem infalível que ostentamos e, tantas vezes, representamos. Somos todos falíveis. Na sala de aula fazemos a experiência diária da nossa falibilidade.

Descubro, na relação com eles, que indiferente, agressivo, indisciplinado, rude e egoísta também sou. Lembro que não tenho, como eles, a mesma energia, curiosidade, sonho, desejo e força. Olho para meus alunos e, por vezes, anseio ter as características que os fazem diferentes de mim. E lembrar que um dia eu tive as mesmas inquietações, as mesmas dúvidas, as mesmas perguntas e os mesmos dilemas. Basta lembrar que um dia tive a mesma coragem de transgredir e que, foi nesse momento de inversão da ordem, que verdadeiramente aprendi.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Aos amigos


"Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão".

Herberto Hélder


Encontrei essa poesia no blog "Amantes da Poesia". Interessante que, imediatamente, ela me disse muito, talvez, mais do que esperava naquele momento. A impressão que tive foi de ver todos os meus amigos representados nessas poucas e simples palavras. Aqueles de ontem e de hoje, o distante e o próximo, o presente e o ausente. Todos, ali, nas linhas e entrelinhas do texto poético.

A memória foi ativada quando da leitura do texto e lembrei dos amigos que não estão mais comigo, mas que foram fundamentais na construção da minha história pessoal. Talvez não fossem amigos para a vida toda, mas para aquele momento. Chegaram naquele instante necessário e se despediram quando viram que sua missão na minha vida se havia cumprido. Abriram fendas, fizeram-se ao largo e pousaram em outras vidas. Às vezes, pego-me imaginando como seria meu trajeto pessoal se não fosse a presença terna, serena, misericordiosa e solidária desses meus amigos. Certamente, uma alegria, sorriso e abraço a menos na minha caminhada. Contribuíram durante um tempo, alguns, durante um tempo ínfimo, mas deixaram pérolas que carrego vida afora.

Há aqueles que, diariamente, permanecem comigo . São poucos, mas são eles que dão um sentido luminoso aos meus dias. Há os tristes, embora a vida seja generosa e não tenha deixado faltar-lhes nenhum dos "dedos das mãos". Há aqueles que recebem a vida e seu mistério com reverência e estão sempre em harmonia com a realidade circundante. Suas palavras são seminais e seus gestos apontam para o alto. Há aqueles cuja existência está deitada na dolorosa experiência do desamor, do desafeto e do ostracismo. Receiam qualquer proximidade humana, com exceção daqueles que ganharam sua confiança e tiveram a porta do seu coração aberto. Esses estão sempre fazendo a radiografia daqueles que tentam ultrapassar sua fronteira. Temem o encontro humano, desconfiam demasiadamente, selecionam e compartimentarizam as pessoas em categorias, sem deixar-lhes uma brecha para que se mostrem e revelem seus mistérios. Em todos, encontro talentos que não foram guardados ociosamente. Não obstante os limites, cada um traz o dom de preencher meu dia e fazê-lo feliz. Carregam esse talento que construíram no silêncio ou no ruído da vida; o talento para se apaixonar mil vezes durante o dia por aquele por quem se sabem amados: o amigo.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Pra vida carnavalizar...


A festa segue seu curso e os clarinetes anunciam que seu fim não está próximo. Mal amanhece o dia, ouço do quarto onde descanso da noite de abertura, o ribombar dos blocos e troças que, céleres, percorrem as ruas do Recife a esbanjar folia.

No fim da manhã, segui para Olinda com um amigo que queria prestigiar a dança e o talento de uma amiga. Acompanhamos o grupo de dança que, em passos marcados pela sincronia do ritmo africano, sobem e descem as ladeiras. No embalo do som dos pratos, clarinetes e tambores nos entregamos a mais bela condição humana: a transcendência. O som, o ritmo, a dança, a coreografia, o sincronismo de vozes e corpos: tudo conspirava a favor de uma experiência outra, não apenas aquela imediata, imanente e prosaica, mas aquela do deslumbramento e encantamento. É uma pena que a modernidade, com todo seu aparato tecnológico, produza homens apáticos à realidade que os norteia e incapazes de encantamento. Li, certa vez, no livro O Mundo de Sofia de Jostein Gaarden que filosofar é encantar-se com a vida. Mas o encantamento não é condição básica apenas do filósofo ou do ato filosófico. É, antes de tudo, condição indispensável a qualquer ser humano que luta contra o desespero e a loucura dos dias. Falta-nos essa atitude simples, mas não fácil, de encantar-se com o cotidiano, a realidade, o corriqueiro.

No domingo conheci o carnaval de Bezerros. Já conhecia esse carnaval de ouvir dizer e, diga-se de passagem, os comentários eram os melhores. Inicialmente relutei em aceitar o convite, mas depois me rendi e viajei. A festa faz jus aos comentários feitos. Nada extravagante nem simplório. Há um misto de simplicidade e sofisticação na decoração das ruas e casas. Quando do retorno, paramos num restaurante e conheci dois estrangeiros que faziam parte de um grupo de maracatu (nem sabia que estrangeiro gostava de maracatu a ponto de formar grupos e sair cantando e dançando por aí). Um deles é mexicano mas há anos mora na Dinamarca e o outro é dinamarquês. Trocamos algumas palavras e o mexicano me falou da valorização do maracatu no mundo. Fiquei impressionado! Não imaginava que esse bem cultural tivesse tamanha expressão em países que julgava não se interessarem por cultura produzida em países subdesenvolvidos e, por isso, considerada cultura de sucata. Vivendo e aprendendo...

Na segunda-feira conheci a tão famosa Noite dos Tambores Silenciosos. É algo impressionante e recomendável. As indumentárias dos componentes das Nações de Maracatu são belíssimas, a alegria que estampam é sincera e a louvação que fazem pelos ancestrais arrepia os ossos. Não hesitei em fotografar e, em meio a tantas fotografias que fiz, uma me chamou particular atenção, por que retrata o sorriso espontâneo de uma menina em seu momento mais glorioso. Seu cotidiano, como será? Que faz no dia-a-dia? Que sonhos nutre? Que dificuldades enfrenta? Sabemos que os integrantes das Nações de Maracatu são oriundos da periferia. Aquela festa os promove, os projeta e, por uma noite, faz de todos eles, destaques. Aquela menina olha para a câmera e abre um largo sorriso que se traduz em alegria, por ser, ao menos uma vez no ano, reconhecida por um estranho que por ali passa e admira sua indumetária, dança e fidelidade à nação.

Esse ano aproveitei o carnaval de Recife e Olinda como nunca aproveitei nos anos anteriores. Muitas foram as impressões deixadas, mas quis me ater a essas. A alegria do carnaval se transformou em ensinamento que levarei para meus dias.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Carnaval 2007: alegria! alegria!


Há alguns dias não escrevo no blog. O motivo foi minha viagem a Recife para participar do carnaval. Como é de costume, fiz a ponte Recife-Olinda. De todos os carnavais passados na capital pernambucana, esse, sem dúvida, foi o melhor. Dessa vez, participei de um número maior de eventos paralelos que ocorrem na cidade. A diversão era garantida em todas elas. A boa companhia foi imprescindível e a cerveja indispensável numa cidade onde agito e calor parecem querer esmagar e extenuar os foliões que ali brincam.

Voltei com a bagagem carregada de contentamento, pois as expectativas excederam a pequena caneca de esperança que levara. Nas idas e vindas aos pólos de folia ficaram impressões das mais diversas, percepções de um mundo em constante movimento, de uma gente que surpreende a cada gesto, palavra, dança, abraço e sorriso. A vida, generosamente, me permitiu conhecer pessoas variadas, de culturas diversas. Com algumas conversei mais demoradamente, com outras brinquei enquanto pulava incansavelmente. Mas todas, sem exceção, foram particularmente afáveis, acolhedoras e abriram as portas do seu universo íntimo para um estranho de quem não tinham informação alguma. Houve também quem não falasse nada. Silêncio na voz, mas sorriso escancarado e alegria estampada. Esses gestos valeram mais que mil palavras.

Na sexta-feira encontrei os amigos de sempre. Aqueles que não nos faltam quando estamos dividindo com eles o mesmo chão. Os reencontros foram deitados na relva de um caloroso abraço e de companhia amiga que não faltou nesse primeiro dia. Não obstante o cansaço do trabalho e de uma viagem que durou quatro horas, a primeira noite carnavalesca me recebeu como que num berço onde sossegadamente participei de uma realidade onde euforia e serenidade conviveram pacificamente. Tudo esteve muito bem casado e a hormonia dos acontecimentos cooperaram com o primeiro dia de festa.

As manifestações culturais arrancaram de mim aquela reverência respeitosa à criatividade e fidelidade de um povo àquilo que os une e identifica: a cultura. Bem, ainda não recuperei o sono que passei nas noites de folia e farra nas ruas do Recife Antigo. Por isso, vou dormir e continuarei a escrever sobre as experiências vividas no carnaval nos próximos dias.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

RECORDAÇÕES DE UM MESTRE


Hoje, conversando com amigos, recordei as aulas do Profº Paulo Gervais. Discorri sobre o modo de falar, o pé encostado na parede, a voz aveludada e a serenidade que marcavam suas aulas. Era impressionante o efeito que suas palavras tinham sobre a platéia atenta que o escutava sem pestanejar. Sentimos sua saída da faculdade, mas ficaram seus ensinamentos, sua generosidade e atenção. Abaixo, uma de suas crônicas:



Acerca do nosso tempo e sua medida


Neste inverno, o dia inteiro passa com a mesma cor. Não adianta procurar no céu o risco de sangue das horas da barra da manhã quebrando, nem à tardinha o ouro velho das horas do sol das almas. Todas as horas têm a mesma cor cinzenta. Então para que saber as horas, se o céu não se altera? E no relógio apenas se pode contar números? Esta hora, por quem perguntas, sei dizer que passa, por que o perfume antes vivo na toalha agora quase não se sente, e um silêncio cresce, e cede a uma dor de coisa já vista e sofrida a novidade do primeiro encontro. Não conto os números no relógio para medir a extensão do nosso tempo; ele tem uma duração de alegrias e dores. Não nasce o sol nem se porá sobre nós. Estamos fora da órbita dos dias; e seu tempo não se mede em números, nem pelo tamanho das sombras, ora longas ora curtas - como lâminas negras projetando cortes sobre a carne dos mortais; nasce em nós o tempo e vive em nós; é a duração do que sentimos, e as estações, sua qualidade. E por conta disto, em nosso coração aninhou-se uma primavera grande que, muito orgulhosa, não quer saber do verão que queima a terra, e joga areia por onde vamos, nem do inverno, que chove até fazer no chão um verde de lôdo traiçoeiro, que faz deslizar e cair. E apesar de seguir lá fora o mundo vestido em paletó de cinzas, em nós a primavera se desnuda; em nós é que se levanta o sol e sopram ventos de festa.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

(DES)ENCONTROS


"A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desecontros pela vida", disse o poeta. Hoje quero preferencialmente escrever sobre (des)encontros. Cada encontro humano não passa despercebido pelos nossos sentidos e afetividade. Somos, todos, afetados pelos encontros que travamos diariamente. Os efeitos da presença do outro nos afetam em diferentes proporções: uns mais, outros menos. O grau de positividade e negatividade deixada por aqueles que cruzam nossos dias também obedece dimensões diferentes. As horas passam e as pessoas passam deixando suas marcas singulares ou destrutivas. Em nosso arranjo existencial, psíquico e biológico engendramos as imagens, percepções e posições que o outro assume a nosso respeito. A partir desse tripé construímos uma concepção acerca de nós mesmos e nos comportamos a partir delas. Acabamos por assumir o estereótipo desenhado pelo outro e introjetamos imagens pré-concebidas. Então, durante a vida, vamos nos adequado às concepções e desejos alheios. Não há encontro humano neutro. Todo encontro social nos afeta sobremaneira e, na ciranda da vida, dançamos conforme a música, ou seja, conforme a normatização social, a ideologia e regras do grupo , as crenças, os mitos que carregamos ou nos são impostos e o pré-conceito que o outro tece a nosso respeito.

Durante a vida nos relacionamos com diversos tipos de pessoas. Com o passar do tempo, aprendemos a conviver com alguns deles, embora outros ainda nos escapem pelo grau de imprevisibilidade. Esses diferentes tipos determinam os tipos ou máscaras que assumimos na nossa caminhada existencial. Assim sendo, nossa liberdade é sempre liberdade cerceada, restrita às convenções sociais e individuais. No jogo psicológico que jogamos cotidianamente encarnamos comportamentos diferentes nas diferentes situações sociais. Vestimos a roupa que é mais adequada aquele momento e situação. O outro observa-me e determina o que deve dizer, como devo dizer e quando devo dizer. O mesmo vale para o comportamento, as escolhas e decisões.

No tabuleiro onde se encontram as peças ou tipos humanos nos deparamos com o tipo autoritário, solitário, carente, ranzinza, piedoso, fracassado, murmurador, intelectual, etc. Ademais, há aquelas pessoas convencidas que o outro deve estar sempre à sua disposição. Em algumas relações amorosas não é incomum acontecer isso. A lógica é a seguinte: "eu não quero me comprometer com você, mas quero-o sempre por perto. Afinal de contas, você supre, como ninguém, minha carência afetiva". São as ressonâncias da nossa sociedade funcional. A lei é não se responsabilizar pelo outro e sua felicidade, mas usar sua eficiência em preencher os vazios que outros não conseguiram ou ter servilmente à disposição os seviços afetivos e sexuais que dispõe. A lógica é cruel, uma vez que fere a dignidade da pessoa humana que merece ser amada pelo que significa em grandeza, singularidade e individualidade. Os princípios que norteiam nossas relações são aqueles da sociedade capitalista que visa acumular lucro em detrimento da valorização e promoção da vida humana. Vivemos a "era do ter". Raramente você escuta as pessoas usarem o verbo ser. Todos os dias você escuta a mesma ladainha: "eu tenho um celular com câmera", "eu tenho um carro do ano", "eu tenho namorado (a)", "eu tenho amigo(a)", etc. E dizem ter pessoas como se pessoa fosse mercadoria. Não obstante a mecânica neo-liberal ver em tudo um produto potencial a ser comercializado e gerador de lucros, para mim pessoa ainda é pessoa e traz outros caracteres bem diversos de uma mercadoria de supermercado. Nossa sociedade capitalista nos legou a lição de que mais vale aquele que tem e não aquele que é. Seguindo essa lógica desumana passamos a nos relacionar com as pessoas como se fossem produtos dos quais tiramos um proveito passageiro, provisório e depois descartamos para adquirir outro produto mais conveniente as nossas necessidades imediatas. Assim sendo, os encontros não são mais possibilidades de descoberta, encanto e enamoramento, mas desencontro daqueles que, iludidos pela proximidade física, se distanciam espiritualmente.

Alguns questionam meu modo "esquisito" de viver a vida. Esses camaradas que me esmagam com perguntas e conselhos dos mais variados se dobram facilmente à mentalidade dominante do grupo que assevera incisivamente: "a multiplicidade de relações irresponsáveis é fator de felicidade". Eu até acreditaria e seguiria o preceito se, tantos deles, para não dizer todos, não viessem a mim, após vivenciarem relacioamentos frustrados e vazios, e debulhassem um terço de reclamações e queixas. Assim sendo, prefiro permanecer no lugar que estou. Deixem-me em paz, porque sou feliz no modo de vida que construí para mim. Sou orientado por outros princípios, embora me pegue, tantas vezes, a dançar a mesma canção.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Você foi embora CEDO DEMAIS...


Ainda indignado com a morte de João Hélio Fernandes.


Love In The Afternoon Letra: Renato Russo Música: Dado Villa Lobos/Renato Russo


É tão estranho
Os bons morrem jovens
Assim parece ser
Quando me lembro de você
Que acabou indo embora
Cedo demais.

Quando eu lhe dizia:
"-Me apaixono todo dia
E é sempre a pessoa errada.
"Você sorriu e disse:
"- Eu gosto de você também."

Só que você foi embora cedo demais
Eu continuo aqui,
Com meu trabalho e meus amigos
E me lembro de você em dias assim
Um dia de chuva, um dia de sol

E o que sinto não sei dizer.
Vai com os anjos! vai em paz.
Era assim todo dia de tarde
A descoberta da amizade
Até a próxima vez.

É tão estranho
Os bons morrem antes
Me lembro de você
E de tanta gente que se foi
Cedo demais

E cedo demais
Eu aprendi a ter tudo o que sempre quis
Só não aprendi a perder
E eu, que tive um começo feliz
Do resto não sei dizer.
Lembro das tardes que passamos juntos

Não é sempre mais eu sei
Que você esta bem agora
Só que este ano
O verão acabou
Cedo demais.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

DESUMANIDADE...


Com esta poesia de W.H. Auden homenageio João Hélio Fernandes, 6 anos, vítima da violência urbana. É com pesar que reconheço a estagnação na evolução civilizacional da nossa sociedade. Alguns, sequer deram um passo significativo da condição de hominídeos para a de humanos. O processo hominização-humanização simplesmente não ocorreu para aqueles que cometeram tamanha monstruosidade. Hoje, vou dormir perplexo com o grau de involução dos meus contemporâneos. Mas eu sei que um dia a gente aprende...
As flores são para você, João, que teve a vida abreviada da maneira mais estúpida e desumana. Que a vida lhe sorria em outro lugar, quem sabe, mais divino por que humano.


Blues Fúnebres

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto - um laço no pescoço -
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz se engana.

É hora de apagar estrelas - são molestas -
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

FELICIDADE


Hoje à noite recebi o telefonema de um amigo do Recife. Há pessoas que desconhecem o quanto são importantes para os outros. Um aceno gratuito dessas pessoas já valem mil palavras, abraços, cumplicidades. São como a chegada da primavera, que sempre traz um pouco mais de cor aos dias. Com esse amigo é assim... Ainda recordo suas palavras: "meia hora não é suficiente para escrever um texto, um comentário..." Eu diria que às vezes precisamos de uma vida inteira para escrever os textos que desejamos. Lutar com palavras é tarefa árdua que nos vence a cada tentativa. A gestação de um texto também tem seus incômodos, dores, ânsias e mal-estar. Seu nascimento sempre nos deixa a impressão de que ainda não é o bastante e seu crescimento e maturação vêm após longo período de re-criação verbal.

Mas, agora, falemos de felicidade: há felicidade num contato feito por alguém que há muito não vemos ou falamos. Há felicidade numa caminhada a dois, numa conversa amiga, num olhar trocado. Há felicidade numa sessão de cinema, na pipoca partilhada, nas risadas dadas. Há felicidade num sol que se põe, no curso da água de um riacho, na chuva que cai. Há felicidade num abraço, afago e no toque das mãos de quem se ama. Há felicidade no cuidado expresso, na mão no ombro, na carta recebida. Há felicidade no som ouvido, no silêncio feito, na música que se canta. Há felicidade nas páginas de um livro, nos passos da pessoa amada, na manhã que acorda. Há felicidade na vitória alcançada, nas dunas pisadas, na viagem realizada. Há felicidade no telefonema recebido, no aperto de mão, no reconhecimento sincero. Há felicidade na amizade gratuita, no mar contemplado, na vida daqueles que amam incondicionalmente. Em tudo isso, há felicidade.

A felicidade é uma colcha de retalhos que costuramos todos os dias no percurso da nossa construção pessoal e coletiva. Ela não nos chega de um única vez. Nem se dá gratuitamente. É preciso construí-la, reconhecê-la. Não deixei de ser feliz com as pessoas que cruzaram meu caminho. Mesmo aquelas com quem não fui tão feliz assim... Em todas as situações de encontro e re-encontro me esforcei por reconhecer a dose de felicidade que envolvia os momentos singulares que vivenciávamos.

Na verdade, cada escolha que fazemos, cada decisão que tomamos, cada gesto de carinho, atenção e compaixão têm por finalidade a felicidade. Encontrei felicidade onde não esperava encontrar. Descobri ao longo dos anos que de nada adianta a inquietude na busca da felicidade. Não adianta apressar o rio. Ele corre sozinho. A felicidade está aqui e agora. Está nas ocasiões mais triviais e fortuitas. Está naquilo que buscamos, mas também naquilo que não buscamos e que nos chega todas as manhãs como possibilidades irrepetíveis de construção de realização pessoal. Para ampliar o que digo, cito Valfredo Tepe em O Sentido da Vida: "todo dia é uma página, todo minuto uma linha em nosso livro. O ditado: o que passou, passou não pode ter o sentido de desapareceu. O pretérido é talvez a forma mais segura do existir. No reino do passado permanece o que se passou não apesar, mas justamente em virtude de ser passado, de se ter passado. O futuro é para nós ainda incerto, condicional. O presente é a possibilidade de escolha, pois viver é selecionar, a cada momento, dentro da fartura de possibilidades, uma única. Essa será salva do aniquilamento, as demais desaparecem na voragem do não realizado e nunca mais realizável". A felicidade está, de certo modo, condicionada às escolhas que fazemos na vida. As escolhas determinam substancialmente nossa felicidade. O telefonema do meu amigo me abriu a oportunidade de ser feliz. Acolhi, conversei, ri, escutei. Escolhi o encontro humano e me sinto completo. Essa é toda felicidade. A vida nos oferece múltiplas possilibidades, mas só as oferece uma única vez. As chances não se repetem. Devemos estar atentos às possibilidades que a vida, na sua generosidade, nos oferece todas as manhãs para sermos felizes. Eu fiquei com a melhor parte: saí do meu isolamento e encontrei o outro na sua sinceridade, transparência e abertura. Vou dormir com um sentimento de gratidão à vida e ao meu amigo que criou as condições necessárias para que fosse feliz no dia de hoje.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Excerto


Estou cansado e com sono. Por isso, evitarei delongas no post de hoje.
Meu quarto traz um cheiro permanente de livros. De todos, o melhor. A explicação para ler com avidez está nesse cheiro que me fascina e arrasta. Enquanto organizava minha biblioteca pessoal encontrei um livro de Rainer Maria Rilke, "Cartas a um jovem poeta", que despertou particular interesse em reler algumas páginas que li quando contava dezoito anos. Após folhear páginas e passar capítulos com pressa, deparei-me com o trecho que oportunizo:

"Um tal progresso transformará a vida amorosa, hoje tão plena de erros (e isto mau grado o homem que, de início, será ultrapassado). O amor deixará de ser o comércio de um homem e de uma mulher para ser o de duas humanidades. Mais próximo do humano, será infinitamente amável e cheio de atenções, bom e claro em tudo o que realizar ou desfizer. Este será o amor que, combatendo duramente, agora preparamos: duas solidões que se protegem, se completam, se limitam e se inclinam uma para a outra. Isto, ainda: não pense que o amor que conheceu na adolescência se tenha perdido. Não foi ele que fez crescer em si aspirações ricas e fortes, projetos de que ainda hoje vive? Tenho certeza de que esse amor apenas sobrevive, tão forte e tão poderoso na sua lembrança, pelo motivo de ter sido a primeira ocasião de estar só no mais profundo de si mesmo, o primeiro esforço interior que tentou na sua existência".

As palavras ainda fazem eco na minha cabeça: "duas solidões que se protegem, se completam, se limitam e se inclinam uma para outra". Bem, agora vou dormir. Pensem nisso!

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

AMIGOS...


O dia transcorreu na correria de um Hermes. As horas não passaram, foram atropeladas pelo tempo que urge e ruge como leão faminto. De repente, não mais que de repente: lua, estrelas, brisa, silêncio e a solidão necessária para arejar o pensamento e discorrer sobre impressões recolhidas num dia em que tive a companhia do trabalho estafante que nos furta a atenção sobre aspectos tão peculiares da vida.

Amigos me escrevem com freqüência. Recebo e-mails diários de amigos próximos e distantes. Querem, de algum modo, se fazer presentes, próximos... A tecnologia digital permite isso. Hoje recebi e-mail de um amigo que se encontra na Holanda. Há tempo não nos vemos. A comunicação se dá sempre por e-mails ou cartões enviados em datas comemorativas. Enviei-lhe, esses dias, algumas reflexões sobre a amizade ao que nao tardou responder. Com suas palavras, uma avalancha de recordações que trazem nova emoção e a certeza de uma amizade que superou os limites do tempo e dos espaço para manter-se leal aos seus propósitos. Driblamos medos, suplantamos a saudade indesejada e perniciosa e rejeitamos o ostracismo para manter o vínculo amistoso que se instalou em nossas vidas. Hoje celebramos a possibilidade sempre presente de podermos contar com a alegria, o entusiasmo, o incentivo e o cuidado do outro. Oportunizo trechos do seu e-mail: "quero agradecer de coração as palavras amigas e sábias que você me enviou nesses últimos dias, confesso que elas me ajudaram muito a recuperar a alegria perdida depois que os meus amigos voltaram para o Brasil". O verdadeiro amigo tem compaixão, ou seja, sente com o outro. A sua presença, o seu braço estendido, o seu olhar terno e sorriso atento resgata aquele por quem nos sabemos amados. A mão amiga sinaliza possibilidades, brechas pelas quais passamos e reencontramos nosso caminho. Muitos amigos atravessaram meu caminho. Alguns permaneceram, outros não. Alguns ser perderam, outros nunca se encontraram. Alguns prosperaram, outros nunca conseguiram coisa alguma. Alguns se abandonaram à solidão, outros sequer conheceram o afago amoroso do amor. Mas todos eles foram meus amigos. Uns mais outros menos. Mas todos receberam sem distinção a atenção merecida. Mais na frente meu amigo afirma: "também agradeço o texto sobre a amizade, muito belo e interessante. Hoje eu fico imaginando o valor de uma amizade; quando verdadeira, somos capazes de dar a vida pelo o outro. Por isso a Bíblia diz que: encontrar um amigo é achar um grande tesouro. Como é bela uma amizade, ela nos dar vida, segurança, alegria, paz.
Peço a Deus para sempre ser dígno da sua amizade e zelar por ela, pois sei que amigo como você é muito raro e não quero nunca perder a sua amizade". O bom é que na amizade sempre perdemos um pouco de nós para o outro. Não ficamos com tudo. Aquela parte que nos é mais cara é partilhada com aquele que nos ama. Se os amigos não nos dessem vida, segurança, alegria e paz seriam qualquer outra coisa, nunca amigos. Quando estamos em sua presença o tempo desacelera, o coração se acalma, o sorriso desabrocha e a conversa é como um manjá que nos alimenta por horas sem que nos sintamos saciados. Queremos sempre mais e o mais que ele nos dá nunca é o bastante. A despedida acusa nossa fome de presença humana, de presença amiga. Em se tratando de amigo, tudo nunca é o bastante.

A janela do meu quarto dá para o mundo. Dela vislumbro a imensidão do céu que desfila na minha frente. Nisso, vejo as possibilidades infindas de reencontrar amigos, fazer outros e reunir, como o céu reúne as estrelas no seu espaço sem limites, aqueles que queiram fazer parte da grande ciranda da amizade. Finalizo com as palavras do meu amigo: "Viva a amizade! Viva o amigo! Viva Luciano!" Eu diria: Viva você!, por se fazer estrela na vida de todos aqueles que nutrem o velho e sempre novo amor de amizade. É isso.

domingo, 4 de fevereiro de 2007


Juro que tentei resistir, mas não consegui e resolvi me render aos encantos desta poesia:


Mal nos conhecemos

Inaugurámos a palavra amigo!

"Amigo" é um sorriso

De boca em boca,

Um olhar bem limpo,

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.

Um coração pronto a pulsar

Na nossa mão!

"Amigo" (recordam-se, vocês aí,Escrupulosos detritos?)

"Amigo" é o contrário de inimigo!

"Amigo" é o erro corrigido,

Não o erro perseguido, explorado,

É a verdade partilhada, praticada.

"Amigo" é a solidão derrotada!

"Amigo" é uma grande tarefa,

Um trabalho sem fim,

Um espaço sem fim,

Um espaço útil, um tempo fértil,

Amigo" vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O’Neill


Por hoje, fico por aqui. No fim da noite, poesia.

POR QUE CRIAR UM BLOG?



A pergunta do título do post poderia ser reformulada para: Por que criar um blog de crônicas? Que necessidade motiva a criação de um diário virtual? A sua vida ali: exposta, ao alcance de todos, sem fronteiras, acessível àqueles que desejarem tocá-la. Dar voltas em torno de um assunto sem responder o essencial é hábito desenvolvido ou adquirido que não consigo me desvencilhar. Parece que me distancio da pergunta formulada no início do post porque a resposta é possibilidade sempre presente de exposições mais pronfundas e efetivas. A função metalingüística da linguagem me obriga a refletir sobre meu modo tão particular de escritura. Quando escrevo, inscrevo-me. Não tem escapatória. É condição necessária para que a linguagem se faça discurso. Bem, mas já estou indo por vias outras que não aquela proposta no início: responder uma pergunta.

Fazer-se expressão é uma necessidade vital humana. Desde tempos mais remotos o homem se esforça por expressar-se, publicar seus pensamentos e idéias. Do grunhido mais primitivo ao ato de fala mais sofisticado a intenção sempre foi a mesma: interagir com seus semelhantes, contar-lhes a vida e deixar os rastros indeléveis da sua existência. A ex-istência humana é projetada para fora, para além do homem. A linguagem é um meio de superar os limites impostos pelas muralhas que nos cercam e esmagam, a fim de que cheguemos ao outro sob a forma de signos que são interpretados e respondidos. Agora, instala-se a comunicação e o diálogo. As muralhas caem e as pontes se constroem num processo de interação e inter-relação que nos arranca da nossa solidão e nos faz sociais, co-existentes. Assim sendo, o homem sai de si por meio de um ato de linguagem que revela seu potencial interacional e social.

Embora o título do blog seja CRÔNICAS, os posts não se restringirão a esse gênero textual. A finalidade maior do blog, ou precisamente deste blog, é divulgar impressões, concepções e uma visão de mundo tão singular quanto um pôr-do-sol. Que as diferentes linguagens me ajudem a comunicar as tantas impressões que trago da vida, dos amigos, da família, do mundo. Esse é o post inaugural. Outros virão...Certamente mais leves e menos formais. Agradeço aos conhecidos e desconhecidos que, porventura, queiram se aventurar por essas linhas que têm a reponsabilidade de levar a todos vocês uma vida que se conta.