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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O Permanente e o Provisório




O PERMANENTE E O PROVISÓRIO

O casamento é permanente, o namoro é provisório.
O amor é permanente, a paixão é provisória.
Uma profissão é permanente, um emprego é provisório.
Um endereço é permanente, uma estada é provisória.
A arte é permanente, a tendência é provisória.
De acordo? Nem eu.
Um casamento que dura 20 anos é provisório. Não somos repetições de nós mesmos, a cada instante somos surpreendidos por novos pensamentos que nos chegam através da leitura, do cinema, da meditação. O que eu fui ontem, anteontem, já é memória. Escada vencida degrau por degrau, mas o que eu sou neste momento é o que conta, minhas decisões valem pra agora, hoje é o meu dia, nenhum outro.
Amor permanente... como a gente se agarra nesta ilusão. Pois se nem o amor pela gente mesmo resiste tanto tempo sem umas reavaliações. Por isso nos transformamos, temos sede de aprender, de nos melhorar, de deixar pra trás nossos imensuráveis erros, nossos achaques, nossos preconceitos, tudo o que fizemos achando que era certo e hoje condenamos. O amor se infiltra dentro de nós, mas seguem todos em movimento: você, o amor da sua vida e o que vocês sentem. Tudo pulsando independentemente, e passíveis de se desgarrar um do outro.
Um endereço não é pra sempre, uma profissão pode ser jogada pela janela, a amizade é fortíssima até encontrar uma desilusão ainda mais forte, a arte passa por ciclos, e se tudo isso é soberano e tem valor supremo, é porque hoje acreditamos nisso, hoje somos superiores ao passado e ao futuro, agora é que nossa crença se estabiliza, a necessidade se manifesta, a vontade se impõe – até que o tempo vire.
Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é provisório, inclusive nós.
Martha Medeiros Crônica "O permanente e o provisório", 2004.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 26 de janeiro de 2004.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A Experiência do Deserto (Deserto do Atacama - Chile)

Era no tempo da Copa. O país encontrava-se ainda sob os ventos que, meses antes, sacudiram cidades e deixaram a sociedade envolta num misto de revolta e pânico. O recesso escolar foi antecipado para que a Copa no Brasil tivesse uma adesão massiva de todos os seguimentos sociais. Resolvi viajar. No roteiro de Caminhos da América do Sul - feito de cabeça, diga-se de passagem - não havia lugar para o Deserto do Atacama, então, criei um pretexto para ir ao Deserto: fugir da Copa e dos possíveis tumultos que presumidamente poderiam acompanhá-la.
Ainda trago resquícios do frio que fazia em Santiago quando cheguei à rodoviária. Saindo do aeroporto vi as luzes de Natal - que nada! Isso só acontece em Faroeste Caboclo -, não, vi Cíntia: amiga de são Paulo que estava indo a Chiloé e tomou o mesmo ônibus que "yo". Reconheci a mescla de espanhol com sotaque paulistano e atirei na mosca, digo, na Cintia, que atravessou minha pergunta: "Você é Luciano?" Ela perguntou primeiro e a diferença foi de milésimos de segundos. Enfim, quase não cabia em mim de tanta felicidade. Mas essa foi apenas uma das tantas que me aguardavam no Deserto.
Quando o mochileiro, ou qualquer outro ser estranho a espécie, chega à pequena rodoviário do "pueblo" do Atacama é abordado por funcionários de hotéis, pousadas etc. Embarquei de cara na primeira proposta (esqueci de dizer: sou fácil...abafando o caso...) e me hospedei num "hostel" que tinha uma área de "camping". Primeira noite: frio de lascar (melhor, de lascar é o que faz em Garanhuns: cidade de "mes pères"... no deserto, àquela hora da noite, o frio mal permitia um passo após o outro). Após montar a barraca, a segunda providência foi comprar vinho e bater perna pelo povoado. Agora eu precisava abrir o vinho e, sob esse pretexto, acabei conhecendo essa galeraaaaaa que me jogou na noite "power" do povoado. Distraídos, tropeçamos numa pedra vulcânica, e caímos  nessa festinha tradicional regada à música folclórica e meu vinho que não durou muito. Combinei com o francesinho um pedal no dia seguinte, mas houve um desencontro e repeti incansavelmente para mim mesmo: " a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida." Isso me confortou.
"Eu era tão feliz e não sabia, amor..." Perseguição Marisa Monte...deixa ketu e vamos para o segundo dia.
No dia seguinte, após uma experiência de 5º na madruga, saí para comprar os pacotes dos passeios e fotografar o "pueblo". As casas e estabelecimentos comerciais mantém basicamente as mesmas características de quando o Deserto nem era tão visitado como hoje. Essa é uma decisão política dos índios atacamenhos que insistem em não perder aspectos fundamentais da sua cultura. Há um visível equilíbrio entre tradição e modernidade. Comprei os pacotes e tinha um passeio às lagoas à tarde. Você foi? Nem eu. Devido a um pequeno problema de fuso horário, perdi o passeio. Mas minha vingança sará malígrina!! Me aguardem!
Aquela velha saída à noite...Não pode faltar. "Pela estrada afora..." eu vou de mansinho, olhos atentos a qualquer movimento humano capaz de abrir minha "petite" garrafa de vinho. Esbarrei com a funcionária da agência de viagens onde comprei os pacotes que me deu uma bronca porque não compareci. Expliquei e, como uma mãe, entendeu minha justificativa e me convidou a sentar com o grupo com o qual faria o passeio. Eram todos chilenos. Bonitos, animados e famintos. Em poucos minutos devoramos pizzas e outras itens do cardápio. Enfim, o primeiro passeio: Laguna Cejar e Tembinquinche e Salar de Atacama. Saímos quando o sol ainda se espreguiçava. De água azul-vibrante e a calmaria de uma noite sem nuvem, as lagoas oferecerem ao mochileiro o descanso mental necessário a tudo que estar por vir. À tarde, outro passeio: Vale da Lua e Vale da Morte. Por que se chama Vale da Lua? Não faz ideia? Porque o solo dessa região é semelhante ao solo lunar. Simples como a Oi. Mas a beleza da formação geográfica do lugar é complexa e não apreensível por um olhar com hora marcada para chegar e sair. O Vale da Morte não é diferente. As formações "rochosas" oriundas de erupções vulcânicas e outros fenômenos metem medo com seu crepitar e a sensação de que alguma daquelas "pedras" - que se equilibram com dificuldade umas sobre as outras - vão cair na sua cabeça a qualquer momento. Durante o passeio, conhecemos um "pueblo" onde acontecia uma festa religiosa que nada tinha de lamentações e imagens sangrando e olhar triste, antes, dança, alegria e música, muita música. Quando pensávamos que já tínhamos visto tudo que a vida tinha para nos oferecer de belo naquele dia, o motorista para no alto de uma "falésia" e, de lá, tínhamos uma visão panorâmica dos vales que ao cair da tarde recebiam a visita de um pôr do sol cuja beleza é indizível.

abre parêntese essa foto deveria estar no lugar da anterior fecha parêntese.







terça-feira, 25 de março de 2014

Um amigo (ou sobre a amizade)

L´AMITIÉ PARTICULIER


O título do post e do texto foi inspirado no livro Uma aprendizagem (ou o livro dos prazeres) escrito por Clarice Lispector. A narrativa apresenta a história de amizade entre Lóri e um professor de filosofia. Esse texto é sobre amizade, uma amizade particular.
Conheci Gustavo quando voltava de um congresso do Grupo de Estudos Linguísticos do NE que aconteceu em João Pessoa (por mera coincidência, recebi hoje uma circular do GELNE para participar do próximo encontro). Poderia ter seguido viagem e desembarcado em Garanhuns - cidade onde residia à época - mas não o fiz. Assim, decidi passar o fim de semana no Recife. À noite, encontrei amigos na Galeria Joana D´Arc e Gustavo estava entre eles. Ele começara a sair com meus amigos há pouco tempo. Parecia acanhado, media as palavras, tocava nos temas com polidez, mas sempre com simpatia. Durante o fim de semana, combinamos outros encontros e, no espaço de um relâmpago, descobrimo-nos amigos. Regressei a Garanhuns. A saudade daqueles dias se arrastavam, mas era amenizada pelos contatos frequentes que fazíamos a fim de manter a amizade e nos salvarmos da solidão que o psicólogo Rollo May identificou como sendo o mal do século XX. Vivíamos um momento de transição, pois nos conhecemos em 2005. Os maus ventos do séc. XX ainda sopravam sobre nós o hálito gélido da solidão que só a amizade sincera e leal seria capaz de nos manter salvos dela, como afirmara Clarice Lispector no conto Uma Amizade Sincera: "amizade é causa de salvação." Assim, de frases soltas, evasivas, contextualizadas, invasivas e objetivas, fomos estreitando um laço que nos humanizava e levava a horas a fio de conversa que passavam por seu amor aos quadrinhos, seus conhecimentos sobre cinema e literatura, língua inglesa, perspectivas de um futuro que já tínhamos por certo que não nos visitaria. Nas conversas que se desenrolavam durante 2 ou 3 horas, sempre aos domingos à tarde, Guga comentava músicas da safra brasileira e seu rico acervo cultural deixava-me encantado e, simultaneamente, desajeitado. Enquanto ele discutia "ah! Esse cara tem me consumido. A mim e a tudo que eu quis com seus olhinhos infantis como os olhos de um bandido", eu, metido a intelectual de botequim, comentava trechos dos livros que tratavam da Análise do Discurso Francesa, pois, à época, estava preparando-me para uma seleção de doutorado. Recordo que a Oi colaborou bastante com nossos encontros vespertinos quando lançou uma campanha que era possível fazer ligações interurbanas gratuitas aos domingos de orelhões públicos. O encontro tinha lugar e horário marcados. Às 2h do domingo, britanicamente pontual, eu estava na praça com o fone em mãos para iniciar uma nova rodada de conversa que lembrava as cenas arrastadas dos filmes de Michelangelo Antonioni. Continuávamos o papo por MSN, mas ouvir a voz melodiosa, com acentos recifenses autênticos e de agradável sonoridade era uma experiência da qual não me furtava. Além disso, compartilhávamos músicas via celular, pontos de vista sobre filmes dos quais apenas conhecia a história e o título. Em se tratando de cinema, Gustavo não perdoava essa mesquinhez das minhas informações e perguntava: quem é o diretor? qual o ano de produção? À época, estava cagando e andando para essas coisas, mas ele insistia que essas informações eram fundamentais para entender o todo da obra. E foi me colocando contra a parede que passei a buscar informações adicionais sobre a Sétima Arte. O resultado disso foi uma paixão avassaladora pelo cinema. Numa outra oportunidade, passamos horas discutindo o pequeno trecho de uma música de Vanessa da Mata. Lembro que não chegamos a um consenso, mas as discussões em torno de temas que nos interessavam e eram comuns deixávamo-nos cada dia mais encantado ante o caminho que construíamos sem perder de vista aquilo que nos limitava e, de certo modo, impunha limites à plena realização do desejoso amistoso que nos ardia. Nossos encontros pessoais eram esporádicos, mas sempre cheios de atenção, delicadeza e olhares silenciosos que denunciavam os riscos do amor que não ousa dizer seu nome, tal como afirma Oscar Wilde em seu De profundis. A troca de palavras cotidiana fez com que mencionasse o filme nacional Cinema, aspirinas e urubus. De pronto, fui intimidado a assisti-lo. A película fala da construção de amizade entre dois homens que de tão diferentes acabam compartilhando os mesmos objetivos e sonhos. Era isso que Gustavo queria para nós dois.
O que me chama atenção e inquieta é que terminamos da mesma maneira que começamos. A última vez que o vi foi no meu apartamento e veio para deixar uma coleção do célebre Charlle Chaplin. Quando bati a porta atrás de mim, alimentava outras perspectivas que não a da morte. Enquanto caminho neste mundo e traço minha história, permito que aquilo de Gustavo que se incorporou ao meu acervo existencial permita a manutenção de uma memória. Certo que um dia também deixarei esta vida - louca e breve - perpetuo nessas linhas que escrevo a grandiosidade de uma pessoa que acrescentou à minha vida um olhar feito de aceitação, ternura e complacência. Gustavo não se empenhou em outra coisa que não fosse me fazer feliz. Não obstante as pedras que se interpuseram, eu conservei na memória somente os aspectos positivos de uma amizade que desconhecia a mesquinhez, caretice e estupidez na qual estamos todos imersos. Um dia, minha memória também fenecerá com este corpo que definha, mas palavras se mantém sempre acesas como a tocha que lembra o soldado fiel na cidade de Rosario (Argentina) e não se apagam jamais. Ás vezes quero acreditar - e penso que isso é bastante egoísta da minha parte - que Guga deixou este mundo no momento certo. O momento é outro e já não celebramos paz e amor como fazíamos no início do século. Passando a limpo, as pessoas estão mais mesquinhas, burras, caretas e estúpidas do que nunca. Guerras explodem todos os dias e nós vivenciamos a instabilidade de uma sociedade que perde o rumo, o equilíbrio - equilíbrio distante -, diz o título do álbum solo em italiano de Renato Russo. Tudo por aqui está muito diferente, Guga. As pessoas continuam e, hoje mais do que nunca, preocupados com o que o homem faz do seu pinto, mas não é capaz de se mobilizar contra a fome na África que dizima todos os dias milhares de pessoas. Isso é tão incoerente com nossa evolução social, histórica, tecnológica e científica que se torna cada vez mais difícil encontrar pessoas que, como você, assumem com autonomia seu próprio corpo, desejos e individualidade. Diante de tanta caretice, fica difícil insistir com os dois pés num mundo cada vez mais insuportável. Não tive tempo de confidenciá-lo que estou me preparando para fazer doutorado na França. Sei que não tem dúvida acerca da minha relação afetiva e intelectual com este país. Se acontecer, passarei dois anos em Grenoble - Rhône-Alpes. Quem sabe a cura não esteja no alpes brancos ou no azul intenso das águas de Côte d´Azur? Talvez seu rosto se delineie na neve intensa dos alpes. Por enquanto, "eu continuo aqui com meu trabalho e meus amigos e me lembro de você dias assim: dia de chuva, dia de sol." A cada lembrança, lágrimas insistem em inundar um rosto que já não é mais o meu. Nas escolas, no trajeto para chegar às escolas, enquanto miro o mar, no silêncio do meu escritório, as lágrimas testemunham meu desalento, mas quero sorver minha dor até a última gota. A última vez que nos vimos - parece uma ironia da vida - você esteve no meu apartamento para deixar uma coleção do Charlie Chaplin. A saudade e o sentimento de ausência é ainda maior porque grande foi a afabilidade com que nos fizemos amigos. Nossa história de amizade foi, como diz o título do primeiro e único filme do dramaturgo francês, Jean Genet: un chant d´amour. Concluo com as linhas místicas de Tagore que abrem este blog:
Se não falas, vou encher o meu coração com o teu silêncio e aguentá-lo. Ficarei quieto, esperando, como a noite em sua vigília estrelada com a cabeça pacientemente inclinada. A manhã certamente virá; a escuridão se dissipará, e a tua voz se derramará em torrentes douradas por todo o céu. Então as tuas palavras voarão em canções de cada ninho dos meus pássaros, e as tuas melodias brotarão em flores por todos os recantos da minha floresta. (Rabindranath Tagore)



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A Situação dos Indígenas Mbyá e Avá Guaran em Ciudad del Este



Recife, 17 de fevereiro de 2014

Em janeiro do corrente ano, estive, por ocasião das férias, em Ciudad del Este (Paraguay). Uma vez que atravessei a Ponte da Amizade a pé, fui abordado por um dos milhares de moto-taxistas que circulam entre Ciudad del Este e Foz do Iguazu (Brasil). Solicitei que me deixasse num hostel e o moto-taxista disse não haver hostel, mas bons hotéis nas imediações da rodoviária. Seguimos e, chegando ao hotel, fui surpreendido subitamente por uma situação deplorável e grotesca: indígenas acampados ao lado da rodoviária e à mercê de toda sorte de violência material e simbólica. Observei com olhos atentos e não tive como conter a pergunta sobre quem eram e por qual razão estavam ali. O moto-taxista de pronto respondeu que eram indígenas que não possuíam nacionalidade paraguaia.  Ditas essas poucas palavras, suspendeu a conversa e foi logo me conduzindo ao interior do hotel onde encontrei a proprietária que me recebeu com diligência e prontidão.
Da janela do quarto onde fui acomodado, era possível observar o movimento de homens, mulheres, jovens e crianças que, desprotegidos e lançados à própria sorte, perambulavam entre as barracas montadas e buscavam alternativas de sobreviver naquelas condições precárias e sub-humanas mesmo quando a vida não era possível seguir dignamente. Dessa mesma janela, fiz algumas fotografias e aproveitava para refletir sobre os possíveis motivos daquele povo que um dia teve terra, comunidade, alimentação, o fruto da árvore, a água do rio e a tribo onde descansavam da lida cotidiana estarem submersos num mundo marginal e miserável.

Voltei muitas vezes à janela com a finalidade de ver e entender aquelas condições. Recordo que, certa vez, senti vontade de descer e perguntar diretamente a um deles ou ao grupo o porquê de viverem miseravelmente às margens de uma região que não lhes oferecia as mínimas condições estruturais. Mas esbarrei no medo que já haviam incutido na minha mente estrangeira, turística e vulnerável às informações que me aconselhavam a não conversar com os indígenas nem passar próximo ao acampamento a fim de salvar a própria pele e evitar complicações que comprometessem minha viagem e vida. Não obstante as recomendações reiteradas por moradores do bairro, a curiosidade persistia e não me deixava em paz.
No último dia em Ciudad del Este, quando deixava o hotel, interroguei a proprietária do hotel acerca dos indígenas ao que respondeu que estavam ali há 10 anos e a ajuda humanitária que chegava era desviada e embolsada pelos políticos, de maneira que a corrupção ajudava a manter os indígenas naquelas condições  desumanas. 

Chegando ao Brasil, pus-me a coletar informações sobre o que havia presenciado e obtive algumas esparsas e curtas notícias em sítios na internet que diziam que no referido acampamento encontram-se alojados índios pertencentes a duas tribos: Mbyá e Avá Guarani (ambas oriundas das regiões paraguaias de Caaguazú e Caazapá). Segundo as notícias encontradas, os indígenas já foram desalojados pela polícia local e devolvidos às suas tribos, mas voltaram porque a terra não oferece condições de sobrevivência; além dessa ação, os grupos foram acompanhados por um educador, designado pela Secretaria da Infância ligada à Igreja Católica, a fim de dialogar e coletar dados junto às comunidades para traçarem um plano de resgate. Protestos também foram realizados com a finalidade de chamar a atenção das autoridades para o problema.
O descaso dos políticos, que não resolveram o problema dos referidos indígenas quando da sua instalação em Ciudad del Este, abriu uma fresta para uma série de comportamentos e atitudes que, embora visem a sobrevivência dos indígenas, não se justificam porque ferem a preservação da vida. Nos arredores da rodoviária, crianças exigem dinheiro e ameaçam os passantes com pedras até conseguirem o que pedem, a prostituição de adolescentes e jovens é prática constante e recebe dos caciques o apoio e a ordem que garantem sua manutenção e reprodução, as crianças usam entorpecentes em plena luz do dia e há notícias de assassinato praticado pelos indígenas. 

Diante do exposto, além da indignação que a situação desencadeia, fica a inquietação acerca das ações do Poder Público, responsável em garantir o resgate dessas comunidades, devolver-lhes as terras, reinseri-los no universo cultural e simbólico que lhes pertence e permitir a sanidade moral, ética, ou seja, comportamental desses grupos. Ademais, os governantes, em vez de desviar as somas de dinheiro que chegam de organismos internacionais, devem assumir a responsabilidade pela integridade desses grupos indígenas que degeneram sob o olhar displicente e indiferente das autoridades local e nacional que não vêm se mobilizando no sentido de solucionar definitivamente os problemas que, dia após dia, ganham corpo e lançam raízes no chão de Ciudad del Este.

Luciano Taveira de Azevedo
Mestre pela Universidade Federal de Alagoas
Professor da rede pública estadual e municipal

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Crônicas de um Mochileiro em Montevideo (Uruguay)

Ansiedade. Essa é a melhor palavra que descreve meu estado antes de deixar o Recife às 7h30 no dia 03.01.2014. Passageiro de um voo hiper econômico, tive que suportar as dores de parto que um voo desse impõe. Acordar cedo para chegar ao Aeroporto Gilberto Freyre foram as primeiras contrações. A bolsa estourada e as dores horrendas acometeram-me no Aeroporto de Guarulhos (São Paulo) onde passei 9h aguardando a conexão que, enfim, deixou-me com menino nos braços no Aeroporporto moderníssimo de Montevideo e, tal como uma criança, desejoso de conhecer um mundo.
Uma vez que o parto não é a única dor, pois outras dores podem despontar após o parto, comigo não foi diferente. Quando cheguei ao hostel, o recepcionista avisou que como havia feito reserva para o dia 04.01, então deveria esperar até às 14h para fazer check-in, pois todos os quartos estavam lotados. Estava tão cansado que nem consegui ter raiva, desapontamento, sentir-me contrariado ou coisas do tipo. De pronto, o recepcionista ligou a outro hostel onde havia vagas e passei a noite num lugar que nem lembro com precisão da estrutura, cores, corredores e corrimão, mas recordo bem as palavras em tom de brincadeira do recepcionista: "Isso é hora de chegar num hostel?" Eu estava tão atordoado que nem entendi se tratar de uma brincadeira e fui logo me explicando. Pechinchei na hora do pagamento da diária e consegui que essa ficasse por 350,00 pesos uruguaios. Iupi!!Agora vou tomar  banho e dormir.
No dia seguinte, volto ao Che Lagarto que, diga-se de passagem, tem uma ótima estrutura e fui acomodado. Resolvido o problema da acomodação, dei início à caminhada portando um mapa que não usei. Tenho sérios problemas com mapas, pois sempre olho na posição errada e acabo no lugar oposto àquele que quero conhecer.
Em 2013, o Uruguay foi eleito pela revista britânica The Economist o país do ano. Com essa informação borbulhando em minha mente, não hesitei em querer constatar as razões que levaram o país a ser escolhido e não me decepcionei. Ruas largas, trânsito organizado, povo acolhedor, ciclovias, centro histórico conservado e rico em seus aspectos culturais: tudo isso faz do Uruguay um dos melhores países para viver. Além disso, carro não é muito apreciado pelos uruguaios de maneira que o turista pode desfrutar de um ar menos poluído.
Essa praça da foto é a Praça Independência que se encontra nos arredores da Cidade Velha e além de desfilar uma beleza ímpar, conta com um misto de moderno e antigo em seu entorno.
O Palácio Salvo com seus 95 metros e 27 pisos desenhados pelo arquiteto italiano que vivia em Paris, Mario Palanti, produz um impacto singular no turista que se vê pequeno, diminuto, insignificante diante da grandiosidade da construção que foi durante anos a maior da América do Sul.
I
Nas cercanias da Praça Independência, descortina-se o Teatro Solis que foi inaugurado em 1856. Circulei o Solis a fim de fotografá-lo em perspectivas e ângulos diferentes. A arquitetura apresenta características dos teatros líricos e sua forma é ligeiramente elíptica.
No fim de semana, a cidade se recolhe e o mochileiro retém nas lentes da câmera com calma e sem atropelo as cenas da Cidade Velha que conserva em suas ruas, ora planas, ora com pequenas ladeiras, um conjunto arquitetônico de rara beleza.
Comida em Montevideo não é cara, mas para o mochileiro com pouco dinheiro é importante saber escolher bem e isso significa encontrar um lugar onde possa comer bem sem gastar muito. Outra curiosidade de Montevideo é a cerveja. Não é raro ver jovens e adultos trazendo nas mãos uma garrafa de cerveja de dimensões consideráveis. Para nós, que estamos mais acostumados à latinha ou long neck quando andamos pela rua, aquilo parece uma bizarrice.
Como em Paris, Montevideo possui um lugar especial onde os casais renovam suas juras de amor que ficam representadas no cadeado colocado na grade de uma fonte e cuja chave é jogada nas águas da fonte.
Não é difícil sentir-se envolvido pela atmosfera da cidade e dos seus habitantes que criam um clima propício para que o mochileiro desfrute das belezas, cultura e vida da capital uruguaia. Viva Uruguay!!