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terça-feira, 5 de abril de 2011

Un chant d´amour: a única obra cinematográfica de Jean Genet



Un chant d´amour é a primeira e única obra cinematográfica do escritor francês Jean Genet. Lançado em 1950, o filme recebeu nos USA a rejeição concernente a trabalhos magistrais que se afastam do lugar comum e inovam na abordagem da realidade. Genet foi ousado nesse trabalho que coloca em destaque o desejo. Em vinte e seis minutos de filme, o desejo é o personagem principal que não se vê, mas sabe-se que está lá.
A película conta a história de dois prisioneiros homossexuais que têm o desejo vetado pelas paredes das celas. Habitando celas vizinhas, os prisioneiros - dos quais não sabemos o nome, pois o filme foi originalmente filmado sem audio - alimentam o desejo de estar juntos e compartilhar aquilo que foi interompido, negado e interditado pelas paredes que os separam. Resta compartilhar o cigarro por meio de um canudo que atravessa um pequeno buraco feito na parede. Essa parece ser a única ponte que ainda os mantêm ligados. Ao compartilhar a fumaça do cigarro, compartilha-se o hálito, o sopro, a vida e o desejo que habita suas cavernas mais recônditas.
Mas não para por aí... O desejo que consome os dois homens e a necessidade de proximidade humana conduz ao que há de mais pragmático: a realização sexual por meio da masturbação. Ao lado da realização física da necessidade sexual caminha uma realização que é de outra ordem e que, por enquanto, podemos chamar de espiritual. Essa dimensão espiritual vivenciada pelos prisioneiros que ardem em desejo e ânsia aparece no filme sob a forma de um colar de flores. Essas duas dimensões (física e metafísica) fundem-se sem dar margens à dicotomias, conflitos ou qualquer coisa do gênero.
Sabe-se que Jean Genet foi preso devido à prática de roubo e, desse modo, o filme tem um caráter autobiográfico. A parede que separa os amantes é representativo de todas as interdições vivenciadas pelo escritor à época em que escreveu e dirigiu o filme. Embora a realidade homossexual tenha mudado de 1950 para cá, ainda é possível vislumbrar paredes que separam, oprimem e aniquilam desejos não permitidos ou vistos com desconfiança.
A falta do audio e a consequente omissão dos nomes universalizam a experiência dos dois homens, de modo que qualquer pessoa pode assumir seu lugar nas cenas que desfilam exuberantes diante do cinéfilo.
A presença de uma terceira personagem aponta para outro aspecto da realidade que é a daquele que ver, deseja mas nega o desejo nascente. Esse aspecto é representado pelo carcereiro que, numa atitude voyeur, observa, mas não realiza o desejo. Esse desejo contido, recalcado, transformar-se-á em punição. Temos agora a figura do recalcado que disfarça o desejo e o usa contra si mesmo e os outros.
Dois homens. Um voyeur. Apenas vinte e seis minutos. E uma obra primorosa feita tão somente para fãs do cinema avant-garde.

Força sempre.

Um comentário:

Sonia Pallone disse...

Me fez lembrar "Bent"...Onde dois homens (judeus e homossexuais)sofrem as maiores barbáries dentro de um campo de concentração nazista. Forte! Intenso! Polêmico! Eu gosto e prestigio. Bjs.