Total de visualizações de página

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Lado Oculto da Viagem



Ele estava atônito. Corria de um lado para o outro, ensandecido, pensamentos confusos, distraídos. Ainda não havia absorvido toda a tragédia daquele momento nem conseguia acreditar que por um segundo, talvez menos, aquilo poderia ter sido evitado. Seu rosto suava, não sabia que direção tomar nem decidir por uma ação que conseguisse salvar o irmão que agonizava dentro do carro. Súbito, pensou em como seria a vida e qual o desfecho daquela cena vermelha, caótica e prestes a desembocar em outros dramas. Não havia nada de idílico. Não havia imaginação, fantasia, embora sua cabeça atordoada misturasse tudo isso. Havia uma situação empírica, prosaica: um jovem de 20 anos estava com seu cotovelo prensado nas ferragens de uma D-20. Curiosos começaram a parar, mas não ofereciam ajuda. Outros, porém, encheram-se de compaixão por aquele miserável que agora desmaiado já não via nem sentia nada. O trabalho árduo de retirar aquele braço fincado entre ferragens esgotou os homens que trabalhavam com empenho. Exaustos, seus rostos suavam e os pingos cravavam sementes no chão daquela estrada. Quem sabe a esperança nascesse dali, daquele trabalho esmerado e sem intervalo. Braço fora das ferragens, corpo desfalecido, instala-se a tensão. Quem levará o jovem a Recife, cidade mais próxima do ocorrido, para receber os primeiros socorros? Pessoas afastam-se. Seguem seu rumo e procuram esquecer a cena para que a consciência não os torture. Um homem pede que levem o ferido e deponha seu corpo no banco de trás do seu carro. Durante o percurso, discutem para onde levar aquele cujo braço se mantinha atado ao corpo por um pouco de músculo e pele. Hospital particular e cirurgia que durou oito horas. Ao longo das horas, pai, irmã, irmão e cunhado aguardam nervosos e com uma ansiedade estampada que não deixava dúvida acerca da gravidade da lesão. O efeito anestésico passa e, aos poucos, o jovem volta à consciência. O ambiente lhe é estranho porque, segundo sua memória, sua vida parou no percurso, no vento no rosto, nas faixas passando e deixando "um mundo" para trás. Não se assustou. Não fez alarido. Não reclamou. Nem mesmo perguntou: - O que aconteceu? Seus olhos embaçados seguiam a entrada organizada da família que veio ter com ele e esclarecer o que para ele ainda era uma espécie de sonho ruim durante um cochilo que dera durante a viagem. Até então, ele achara que havia sido uma fratura simples e não fez estardalhaço. Pensava que aquela volta para casa duraria dois ou três meses e que aquelas ataduras, gesso e tipoia que tanto incomodavam na hora de dormir seriam retiradas em um mês e logo voltaria às suas atividades. Enganou-se.

"De alguma forma sobrevivi à noite. E ressurgi com o dia. "
(Emily Dickinson )

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Os Sapatinhos Holandeses e o Amor de Amizade

Estávamos no verão de 1999. Eu morava em Salvador e, por dois anos, vivenciei a dor e a alegria de viver numa cidade que apresenta desigualdades tão gritantes. No que toca à alegria, isso ficou por conta da minha amizade com Gregório, monge beneditino do Mosteiro de São Bento da Bahia.
Dom Gregório, como era chamado no mosteiro, tinha um sorriso largo, fácil, uma disposição invejável, uma inteligência singular que permitia que transitasse pelas artes plásticas, canto, literatura, instrumentos, administração etc. Acrescento os cursos que ministrava no Brasil e exterior, a Holanda, p.ex.
Quando voltou da Holanda me procurou e trazia algo na mão que era difícil distinguir. Ao se aproximar, vi que era um par de sapatos tipicamente holandês. Recebi o souvenir agradecido e sentamos para conversar sobre a viagem, o curso, a Holanda. Ele me contou histórias hilárias sobre o cotidiano de Amsterdam. Entre uma risada e outra, passava o olhos nos sapatinhos holandeses que pareciam de  porcelana, mas certamente foi trabalhado com outro material. Na frente, um moinho de vento (um símbolo da Holanda) pintado em azul escuro que ganha nuances mais delicadas em alguns pontos. Nos lados, Holland e no restante dos graciosos sapatos, trevo de quatro folhas, pétalas, bolinhas. Uma fita com as cores da bandeira holandesa amarra o par. Consegui na internet uma imagem com um par bastante parecido:
Além dos sapatos, trago as cartas que trocávamos quando se encontrava em férias e os livros que trazem dedicatórias que tinham a mesma medida da delicadeza que deve ter uma amizade.
Fui embora. Voltei a Garanhuns e trouxe comigo os significativos sapatos. Desde então, morei em muitas cidades e sempre levo comigo aquele par de sapatos que são pendurados na parede do meu quarto. Assim, é possível lembrar daquela amizade que pisou o chão da minha existência e deixou sulcos profundos porque sincera.

sábado, 30 de novembro de 2013

Rodin e Camille Claudel


Foi no Teatro Santa Isabel que vi a peça Camille e Rodin que, diga-se de passagem, teve os ingressos esgotados no dia anterior. Só consegui porque houve desistência e comprei ingresso de terceiro. A relação - entremeada de dor e alegria - entre os escultores franceses Camille e Rodin não me era estranha uma vez que já havia assistido dois filmes que fazem recortes diferentes dessa relação. No primeiro filme, Camille Claudel, temos o encontro e a aceitação de Camile por Rodin para que trabalhe em seu atelier, seguidos da paixão e das consequências dessa paixão para a vida dos escultores. No segundo, Camille Claudel 1915, tem Juliete Binoche no elenco e foi dirigido por Bruno Dumont. Esse segundo faz outro recorte da vida de Camille, pois agora se encontra num manicômio por vontade e determinação da família. Faltava, então ver Camille e Rodin no palco.
Com Leopoldo Pacheco e Melissa Vettore no elenco, a peça começa apresentando Camille internada no manicômio e muito angustiada com a ausência da família que a abandona naquele lugar que julga não pertencer. Ansiosamente aguarda uma visita do irmão e escreve reiteradas cartas suplicando que a visite e a leve com ele.
Num cenário construído para cooperar com a carga dramática dos fatos que estão por vir, o segundo ato coloca Camille no atelier de Rodin pedindo para ser uma de suas alunas. No início, a rispidez de uma resposta que desconfia do talento da moça é substituída por uma aceitação que chega seguida de admiração pelo trabalho da jovem. Apaixonam-se.
Essa paixão, em ambos, desagua na arte que produzem e a cooperação de Camille ajuda a projetar ainda mais um Rodin que já goza de um reconhecimento tácito. Com o passar do tempo, Camille passa a exigir momentos cada vez mais extensos ao lado de Rodin que não os pode dar porque é casado e divide sua atenção com  outra mulher. Aos poucos, os encontros entre Camille e Rodin passam a ficar cada vez mais tensos. Ela questiona o papel da arte e seu valor estético num momento de transição artística pela qual a França passa, dispara questões sobre a relação amorosa que entretém com Rodin e critica fortemente o fato de Rodin se apropriar das suas obras e vendê-las como sendo dele. O clima de tensão aumenta à medida que a narrativa se desenvolve e os encontros entre Rodin e Camille parecem um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir. O desenrolar dos fatos são intercalados com a solidão e crises que Camille vivencia no manicômio.
Não há dúvida que ambos se amavam. Mas esse amor não foi suficiente a ponto de Rodin fazer uma escolha por Camille e respeitá-la como escultora de grande talento. Antes de ser enviada ao manicômio pela família, Camille destrói toda sua obra como forma de simbolizar uma ruptura com um passado de tormento e também com o fato de em vida não ter conseguido vender uma única peça.
O texto é extremamente denso e ácido, a iluminação fraca e que deixa o palco na penumbra acentua a tragicidade que marcou essa história de prazer, amor e ódio, o cenário e os figurinos formam com o todo da peça o ambiente ideal para o desenvolvimento de uma narrativa dividida entre os desatinos de uma paixão e a tentativa de construção de uma nova maneira de significar por meio da arte as mudanças desencadeadas entre os séculos XIX e XX.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A extensão do Caminho

Caminhos da América do Sul calculou o percurso realizado até agora. Esse percurso implica Argentina-Chile-Peru e Bolívia. Foram 5.133km de experiência geográfica e humana.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Brassaï e a noite

Brassaï interessava-se pela noite parisiense. O olhar do fotógrafo privilegia o corpo. Esse corpo vigiado, normatizado, macerado - no dizer de Foucault em Vigiar e Punir - durante o dia, mas que à noite encontra uma brecha através da qual resiste, subverte, singulariza-se. O seu olho não deixa escapar nada nem ninguém: prostitutas, rondas noturnas, gays, cabarés, amantes, crimes...Tudo cabe no seu olhar sensível àquilo que evitamos ver, mas está lá.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Direito dos animais: “eles têm a qualidade idêntica aos homens”

Entrevista: Matthieu Ricard, monge budista tibetano, autor e porta voz de S.S.  o Dalai Lama, juntou-se ao manifesto para mudar o status jurídico dos animais. Ele explica ao jornal francês, Metronews, as razões de seu engajamento nesta causa. Tradução do francês para o português de Gleisy Coimbra. Matthieu Ricard faz parte das numerosas assinaturas do manifesto de um novo status jurídico dos animais na França.
Porque ter assinado este manifesto?
Porque é uma realidade: os animais são seres sencientes, que tem um direito natural de não sofrer ou pelo menos que não os levemos ao sofrimento. É preciso ser cego para não ver que os animais têm as qualidades idênticas aos homens: empatia, bondade, cuidado com os outros seres… Assim, não podemos os tratar como controladores ou objetos.
O que este reconhecimento poderá implicar?
Reconhecer que são seres sencientes implica na forma maneira a qual nós os tratamos. A maldade já é punida por lei. Mas quando se trata de exploração industrial, a lei é muito ampla. Por exemplo, 20 % dos animais enviados à matadouros ainda estão conscientes no momento em que eles são abatidos. Isto é inadmissível. Sendo consideradas como objetos, é uma desculpa fácil de usar a nosso critério. Os humanos matam 1 milhão de animais terrestres e cinco vezes mais de animais marinhos a cada ano. É preciso ver a verdade. Não pode-se ter uma sociedade mais ética deixando de fora uma seção inteira da vida, que são animais.
É preciso, então, acomodar todos os animais no mesmo barco?
Claro, eles são seres sencientes. É preciso reconhecer todos eles como tais. Pessoalmente, eu não faço diferença entre uma vaca e um cachorro. Os porcos são, de certa maneira, mais inteligentes que os chimpanzés, por exemplo. E se os peixes não têm expressão facial, eles têm um mesmo sistema nervoso que faz com que eles sintam dor. Não se pode negar.
Como a religião budista vê os animais?
Como um ser senciente que não têm a mesma sofisticação do homem – chamado de inteligência – mas como ele tenta evitar o sofrimento e atingir o bem-estar. Esta aspiração deve ser respeitada. Neste sentido, a não violência frente aos os animais é uma extensão lógica do que defendemos para os seres humanos.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Crônicas de um mochileiro em Sucre

Sucre é a capital constitucional da Bolívia e La Paz a capital administrativa. Em Sucre, o "caminho" aproximava-se do fim. Após Sucre, viria Santa Cruz de la Sierra que serviria apenas de trampolim para me lançar de volta ao Brasil.
O encanto de Sucre  não dá as boas-vindas ao turista na rodoviária que não agrega beleza alguma e mais parece um mercado popular onde corredores estreitos abraçam milhares de pessoas que chegam e saem da cidade a todo momento. Cansado, com pouco dinheiro e de posse da informação de que o centro de Sucre é muito caro, resolvi hospedar-me num hostal próximo à rodoviária. Não recomendo. Não que o lugar seja ruim, mas o mochileiro ficará muito distante do centro e dos pontos turísticos da capital. Além disso, ônibus ou táxi são imprescindíveis para chegar ao centro. Fora isso, Sucre é essa cidade que resumirei nas próximas linhas.
O ar colonial encontra-se estampado nas ruas que fazem desfilar diante dos olhos atentos e, a um tempo, deslumbrado, uma inacabável série de casas, museus, bancos, estabelecimentos comerciais, artesanatos, cafés, restaurantes, praças, igrejas e tipos humanos que deixam o mochileiro se perguntando se ainda está na Bolívia, uma vez que os traços físicos, o comportamento delicado e sofisticado, as roupas e  os interesses musicais, literários e arquitetônicos mudam significativamente. Há uma altivez permitida e não agressiva no comportameto do habitante de Sucre que todos os dias desliza sua delicada elegância entre o patrimônio histórico conservado que a cidade abriga e as montanhas que coloca Sucre numa posição geográfica invejável: 2.800m (9.200 pés) acima do nível do mar. Logo, em qualquer época do ano, casacos, ponchos e luvas caem bem.
A cidade não dispõe de muitos passeios turísticos, não obstante, é possível informar-se sobre os poucos que dispõe nas agências que estão localizadas no centro histórico. Volto a dizer: Sucre é uma cidade cara. Até para o mochileiro que dispõe de um montante com certa folga, é possível que tenha que organizar bem as finanças para que evite perrengues financeiros. Só para ter uma ideia: o artesanato vendido em Sucre é um dos mais caros em toda Bolívia. As roupas tradicionais feitas da lã das llamas podem chegar a preços abusivos e vendidas em lojas de grife. Recomendo ao mochileiro com pouco ou muito dinheiro: ver e deixar lá.
As praças são bem cuidadas e raramente vemos lixo nas ruas. Antes, placas para que nativos e turistas cuidem das plantas, praças e lugares públicos de modo geral, espalham-se pela cidade. Eles têm um apreço tão genuíno pelas praças que podemos nos deparar com uma obra de arte verde como a da foto acima. Nessa praça, passava horas, lendo jornais, observando os comportamentos humanos e fotografando um detalhe, uma cena que despertasse o olhar.
Uma vez que Sucre dispõe de um parque reservado aos dinossauros que habitaram a região, é comum o turista ver elementos que se relacionam ao Parque Cretáceo, maior atração turística da cidade.
Por fim, penso que a organização, a valorização cultural e a educação para dividir o espaço físico vem do reconhecimento daquele que pode vir a ser primordial na formação do cidadão responsável por si, mas ciente do entorno que o cerca e exige dele igual responsabilidade: o professor. Fotografei esse monumento que faz uma justa homenagem ao educador e, na figura dele, todos os elementos relacionados ao processo educacional que não começa na escola nem no professor, mas implica a contínua construção e desconstrução de toda uma vida.
Cheguei ao fim, mas com um pressentimento sutil de que se tratava de um começo.
Santa Cruz de la Sierra foi meu último destino e ali deixei o solo boliviano trazendo a poeira de uma terra milenar toda feita de crenças, costumes, etnias e uma alma capaz de enamorar o mochileiro desavisado. É isso.




sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O BUDISMO É UMA RELIGIÃO?


Por Michael McGhee, The Guardian, 07.10.2013. Michael McGhee é pesquisador sênior honorário no departamento de filosofia da Universidade de Liverpool e colunista no jornal britânico The Guardian.
Na primeira parte de uma nova série, examinamos a razão de muitos considerarem as práticas budistas mais filosóficas do que religiosas.
O que me atraiu inicialmente no budismo, nos anos que se seguiram ao meu lento afastamento do cristianismo formal, não foi nada de cunho intelectual, mas, diferentemente, teve relação com a imaginação, com imagens de liberação. Fiquei impressionado com a serenidade da figura do Buda, a sua representação de autodomínio e calma. Havia, no entanto, certo perigo envolvido nisso, a tentação de absorver, de modo demasiado fácil e precipitado, uma atitude que dependia de uma luta árdua e muitas vezes destituída de apelo ou atração evidente. No entanto, o Budismo era atrativo e parecia ser um meio de redescobrir alguma coisa aparentemente perdida, sem requerer adesão cega a crenças metafísicas ou religiosas.
Acho que o que faltava era a “espiritualidade”. Mas isso levanta a questão de saber se a “espiritualidade” pode ser separada daqueles comprometimentos em termos de crenças. Alguns especialistas têm enfatizado que não há falta de crenças metafísicas nas tradições budistas e que suas práticas e rituais se articulam a visões de mundo complexas e sofisticadas. Eles se perguntam se as práticas budistas realmente podem ser isoladas desse contexto mais geral sem que com isso ocorram danos à sua identidade. Eles indagam também se os Budismos encontrados no Ocidente contemporâneo tornaram-se desenraizados, privados do alimento necessário proveniente de suas raízes culturais e metafísicas. É bem possível que isso tenha ocorrido. Assim, as pessoas testemunham o valor terapêutico da meditação e o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS/UK) se coaduna melhor com uma psicoterapia baseada na atenção plena (mindfulness), do que com aquela que faz uso da prática cristã da oração, porque a primeira é uma técnica eficaz, com benefícios mensuráveis para a saúde e não é “religiosa”. Os pacientes não precisam de um fundo de crença religiosa para se estabelecerem em um local de meditação.
Alguns grupos contemporâneos fazem questão de insistir que o budismo não é “religioso” e o que eles parecem sugerir é, novamente, que o envolvimento em suas práticas não depende da adesão a crenças. Esses mesmos grupos, no entanto, também são bastante tradicionais nas suas linguagens e nos seus rituais e isso deve nos fazer hesitar quanto à avaliação do efetivo grau de desenraizamento das práticas. É verdade que muitos praticantes budistas contemporâneos têm feito um trabalho desconstrutor de mitos semelhante ao realizado pela geração prévia dos teólogos da “Morte de Deus”, os quais foram, eles próprios, acusados de converter o Novo Testamento em um inofensivo e pálido humanismo.
Contudo, uma coisa é buscar liberar a prática budista de visões de mundo insustentáveis ou pouco críveis, outra, bem diferente, é reduzi-la a uma mera técnica, ainda que de cunho terapêutico. Feita a redução, as acusações costumeiras aparecem: a meditação seria uma técnica de tranquilização – capaz de facilitar a execução do bombardeio ou de aguçar a eficiência de um capitalista predatório. A razão pela qual alguém pode querer sustentar que a meditação tem sido reduzida a uma técnica é que ela perdeu o seu enraizamento essencial como uma prática de preparação ética.
É tradicional distinguir aspectos ou formas de meditação em termos das que acalmam o egocentrismo ou as paixões comuns e dizer que estas preparam o praticante para a experiência budista essencial da iluminação ou despertar. No entanto, uma das tentações de ex-cristãos é pensar que o que eles podem encontrar no budismo é algum tipo de experiência transcendente. Isso, efetivamente, parece muito com certa nostalgia de Deus. Na verdade, se houver qualquer tipo de transcendência no budismo é uma questão de transcender o fechamento e a prisão do egocentrismo. O apaziguamento das paixões, em que o budismo está interessado, é a tranquilização que reduz o domínio daqueles sentimentos auto-centrados e egoístas que nos impedem de ver o que está diante de nós: a nossa própria condição real e a dos outros. Estamos cercados pelo mundo real, mas estamos preocupado demais – com nossas próprias paixões auto interessadas – para perceber isso.
Nesse caso, a prática budista torna-se uma forma de preparação ética, reduzindo as formas de preocupação auto-centradas que impedem uma preocupação com a justiça. Este aspecto levou alguns analistas a dizer que o budismo se apresenta mais como uma filosofia de vida do que como uma religião. Este contraste com a religião se baseia muito na assimilação da religião à crença religiosa e esquece os aspectos cerimoniais, rituais e comunitários das várias religiões, incluindo o Budismo.
Mais positivamente, porém, pensar o budismo como uma filosofia coloca essa tradição em diálogo com a antiga concepção da filosofia, que tinha como um dos seus componentes essenciais precisamente o que era chamado de prática ou exercício espiritual – as várias maneiras pelas quais alguém é capaz de libertar-se da ilusão e tornar-se mais capaz tanto de agir eticamente como, naturalmente, de recusar-se a agir, lastreado igualmente em motivos éticos. Vale a pena notar que os antigos filósofos tentaram viver em comunidades e pode-se pensar em uma comunidade filosófica – seja ela uma congregação cristã, uma sanga budista ou um grupo humanista – enquanto empreendimento voltado a proteger e apoiar as condições da percepção lúcida do mundo, transcendente das ilusões, a partir da qual pode emergir a ação moral.
Tradução de Sérgio Ferraz

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Crônicas de um Mochileiro em Potosí e Uyuni

Em La Paz fiz muitos amigos e me encantou a diversidade cultural e humana da cidade. Os amigos, em sua maioria brasileiros, ainda mantêm contato e, volta e meia, estamos compartilhando as impressões e informações sobre viagens. Além dos brasileiros, ficou a amizade dos estrangeiros, Hans e Yoshi Gato. O primeiro, alemão que vive no interior da Alemanha, fez contato há pouco pelo Facebook. Quer saber como estou e se me encontro envolvido nos protestos que explodiram nos últimos dias. Hans não conhecia o espanhol, mas precisava dele num  país que não tem inglês como segunda língua. Como eu sabia um pouco mais da língua espanhola, procurei manter o diálogo em espanhol para que ele pudesse aprender expressões locais e cotidianas e, assim, interagir melhor com os bolivianos. Quando o espanhol faltava a ambos, tentávamos uma comunicação em inglês de maneira que fomos nos entendendo na língua que permitia o acesso ao outro, seu mundo e história de vida. Já o segundo, Yoshi, é um boliviano cujo pai mora no Brasil (Acre) e, em várias ocasiões, demonstrou vontade em vir ao Brasil para estudar e progredir no conhecimento da língua portuguesa. Apesar dos vínculos, chegou a hora de pôr o mochilão nas costas e seguir viagem. No dia que saí de La Paz veio-me a impressão - que era quase uma certeza - de que os laços com aquela cidade feita de cores, rostos, música, arquitetura e geografia bastante peculiares não desatariam seus nós de maneira que uma ligação espiritual e que tem seus alicerces na memória me mantém afetivamente envolvido com a cidade.
A próxima cidade a me abrir as portas que dão acesso ao acervo cultural que acumulou durante séculos foi Potosí. Segui de ônibus de La Paz a Potosí e passei cerca de 12 horas num ônibus nem um pouco confortável. Além disso, viajei com a inquietante impressão de que minha babagem havia sido despachada no ônibus que saiu 1 hora antes. Em suma, o trajeto não foi agradável, pois além da confusão com a bagagem, tive problemas com a marcação da passagem e quase não viajo neste dia porque meu nome não constava na listagem do ônibus que sairia às 20h30. Após uma pequena "dor de cabeça", colocaram-me na última poltrona próximo ao banheiro. Agitado pela impressão da perda da bagagem e sobressaltos com a passagem, não deu outra: insônia.
O desembarque aconteceu por volta das 6h30 e imediatemente exigi a devolução da minha mochila que se encontra intacta no bagageiro do ônibus. Ufa! Que alívio!
Solicitei um táxi que me custou Bs 5 (uma bagatela!) e pedi que me deixasse num hostal localizado no centro histórico. De saída, afirmo que hostal em Potosí é caro de maneira que vale a pena "bater perna" em busca de uma hospedagem que não custe os "olhos da cara" e ofereça um bom serviço. La Casona, situado no centro histórico e próximo à praça mais badalada da cidade, tem essas características. O hostal funciona numa casa colonial que data do século XVIII e, súbito, entramos na atmosfera da cidade de Potosí, considerada a mais alta do mundo. Isso por que a cidade se encontra 4.090m do nível do mar.

Localizada em terreno acidentado, Potosí nasceu com a descoberta de prata na região. Já foi, outrora, uma das maiores cidades do país e suas ruas, igrejas e casas coloniais presenciaram os anos de domínio espanhol. Em 1987, a cidade foi considerada Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco. Além da tranquilidade de uma cidade provinciana e pacata, Potosí oferece museus, ingrejas coloniais, restaurantes típicos, baixas temperaturas e sobrados antiquíssimos aos visitantes que primam por aliar cultura, história e descanso. A arquitetura da cidade é belíssima e as ruas estreitas que se deitam sobre as montanhas oferecem um rico cenário àqueles que cultivam a arte da fotografia. O dia do meu desenbarque na cidade coincidiu com um feriado e não pude visitar os museus, empreitada que deixei para o dia seguinte no esprimido tempo que dispunha pois deixaria a cidade às 14h com destino ao Salar de Uyuni. Apesar dessas condições, foi possível conhecer o museu mais requisitado da cidade: a Casa da Moeda (Museo Casa de la Moneda). Nesse museu, as visitas são em grupo e acompanhadas por um guia e podem ser feitas em inglês, francês e espanhol.A visita dura 2 horas aproximadamente e custa Bs. 35. Toda a história da extração, tratamento e circulação da prata como meio de compra e venda é contada nesta casa. Além disso, o mochileiro encontrará pinturas e peças de época e produzidas por cidadãos potosinos. Neste site, o leitor poderá fazer uma visita virtual à casa e obter mais informações: http://www.casanacionaldemoneda.org.bo/

À tarde, como planejado, sigo em direção ao Salar de Uyuni onde passei dois dias. Após 5 horas de viagem, chego num povoado que dava a impressão de um lugar perdido no meio do nada, ou melhor, do deserto, um deserto de sal. Devido a forte demanda turística que acorre à Uyuni para conhecer o deserto de sal com seus lagos de cores intensas, a cidade disponibiliza uma rede de hoteis, hostal e pousadas que dão à cidade um movimento que certamente não teria se esses serviços não estivessem ali. Com pouco mais de 1km de raio, Uyuni agrega habitantes locais, áreas de lazer, restaurantes, rede hoteleira, agências de viagem, feira de artesanato, produtos industrializados e muitos, muitos turistas. Uma vez que as agências se aglomeram numa única rua da cidade, fiz uma cotação de preço e optei pelo passeio de um dia, pois o tempo era escasso. Nesse passeio, paguei Bs 120,00 (outra bagatela) e conheci apenas parte do Salar. Embora sem a beleza dos lagos e suas águas, aquilo que vi não me deixou decepcionado. Só não foi melhor porque vinha chovendo muito naquela região e o deserto encontrava-se alagado. Perdida parte da magia, fiquei com a beleza dos produtos, montanhas e hoteis feitos de sal e o tapete de sal que perdemos de vista num deserto cujas "areias" são branquinhas e o cenário lembra as geadas ou o pico de uma montanha após uma nevasca.
De Uyuni, além das paisagens de arrancar o fôlego, trouxe Toda Mafalda do argentino Quino e Pedagogia do Oprimido traduzido para o espanhol do pernambucano Paulo Freire. Os dois livros foram vendidos  por mais uma bagatela: Bs 90. Mas não só isso... Amizades também surgiram nesses trajetos e, tanto em Potosí como em Uyuni conheci pessoas que me encantaram. Eram elas francesas, argentinas, suíças e bolivianas. De volta a Potosí, rumei à Sucre, cidade capital da Bolívia.


quarta-feira, 26 de junho de 2013

VIVÊNCIA DE UM DRAMA (PARTE I)

A VIVÊNCIA DE UM DRAMA (PARTE I)
Em dezembro de 2012, dei entrada na Secretaria de Educação do Estado de PE no processo de progressão funcional, pois em nosso estado a apresentação de títulos para gratificação só pode acontecer após o estágio probatório que dura três anos. Aguardei pacientemente esses três anos e dei entrada um mês antes de concluir o probatório. O documento foi devolvido sob alegação de não ter concluído o referido estágio e avaliações individual e da gestão em aberto. Entendi e logo passei a providenciar a documentação. As avaliações foram feitas e, quando da segunda entrada, já havia concluído o probatório. Pronto! Agora era só esperar pelo pagamento da mixaria que se paga em nosso estado por um título de mestre. Após dois meses sem resposta e sem dinheiro a mais no contracheque, entrei em contato com a UVAP da Secretaria que deu a entender que a documentação havia sido perdida na GRE-Sul e sugeriu que desse entrada num novo processo. Lá vou eu novamente pegar dois ônibus e passar 1h30 para chegar ao destino a fim de fazer o que já havia feito com paciência e esperança. No mês passado, recebi novamente a documentação com as mesmas solicitações anteriores (avaliações do probatório). Quase levanto da cadeira infartado. Respirei fundo e deixei o infarto para depois, pois preciso pagar aluguel, alimentação, cartões, luz, lazer e agora psicólogo, psiquiatra..ufa!, enfim, qualquer mixaria a mais no salário minguado faz muita diferença. Recolhi novamente toda a documentação e hoje voltei à Secretaria de Educação. Chegando lá, a atendente disse que a documentação deveria ser deixada na GRE-Sul. Eu? Indignado, repliquei:
- Mas ontem liguei e disseram que EU deveria deixar aqui.
- O documento está preso na GRE e você deve proceder bla bla bla...
Lá vou eu. Sentia-me traído, enganado, humilhado, mendigando um direito pelo tempo de ESTUDO para contribuir melhor com a EDUCAÇÃO do meu PAÍS.
Pego novo ônibus e desço na GRE-Sul. Na entrada, o policial adverte:
-Hoje o expediente é interno.
Quase supliquei, pois não iria tomar muito tempo dos deuses da educação. Queria apenas entregar um documento e ser respeitado, valorizado. Só isso.
Chego ao protocolo e sou grosseiramente atendido (mas isso vai ficar para a parte II dessa saga):
- Não estamos recebendo documentos hoje porque o expediente é interno.
Expliquei-me.
- Não é você que deve apresentar os documentos, mas a escola.
Esgotado, nervos latejando, esperanças suprimidas, visão turva, quase um cão sem eira nem beira, tentei refazer toda a trajetória, convencê-la que o erro não partiu de mim que estudei, queimei pestanas, esgotei os neurônios para ocupar o lugar profissional que ocupo, mas da GRE que perdeu a documentação. Não houve acordo.
Saí com muitos @$#&* na cabeça e alguns nos lábios. Era meu momento de protesto e extravasamento. Além disso, saí com uma meta firme: sair da esfera estadual. Agora também penso nas medidas legais a serem tomadas para reaver o que perdi até o momento, melhor, o que me foi roubado até o momento. E fica a certeza de que PROFESSOR NÃO É RESPEITADO E VALORIZADO NO ESTADO DE PERNAMBUCO. É isso.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Crônicas de um mochileiro em Copacabana (Bolívia)

Deixei  Puno no Peru e segui em busca de novas experiências do outro lado da fronteira, onde se encontra a Bolívia. Enquanto caminhava sob o peso das bagagens e o sol que resolveu aparecer nesse dia, as vozes indígenas que me saudaram em aymara e quéchua na Isla de los Uros perseguiam meus ouvidos e convidavam a desbravar o próximo país. Na alfândega, descansei as costas e aguardei que a polícia autorizasse minha entrada. Tudo transcorreu na tranquilidade que esperava e segui ansioso por chegar em Copacabana, meu primeiro destino.
Copacabana é uma cidade pequena que se encontra no entorno do majestoso lago Titicaca. A cidade serve de apoio a turistas que ingressam na Bolívia pelo Peru e desejam ver o Titicaca do lado boliviano. Próximo dali, cercado pelas águas do Titicaca, temos as Ilhas do Sol e da Lua que agregam beleza à região e acenam exigindo do turista uma visita.
Exaurido pela longa e desgastante viagem que levou seis horas e rendeu uma aventura da qual ri bastante depois, apressei o passo a fim de encontrar um hostel que oferecesse o mínimo de conforto e um preço acessível. Hospedei-me  num prédio histórico, cujos corredores e apartamentos denunciavam o status do hostel no passado, provavelmente o melhor hotel da cidade. Do quarto, era possível entreter o olhar com as águas tranquilas do Titicaca e as embarcações que não paravam de singrar aquelas águas.
Após um banho que parecia uma fonte no deserto, acumulei peças de roupa para aplacar o frio que chegava a 5º. Agora protegido contra as rajadas de vento e frio cortante, caminhei mantendo um olhar curioso sobre a rua que dá acesso ao lago. Ao longo da rua, restaurantes, lanchonetes, pubs e mercadinhos disputam a atenção e os pesos dos turistas. A orla do Titicaca não enche os olhos, mas a imensidade do lago deixa-nos submersos nos encantos daquelas águas. Retomei a consciência quando lembrei que precisava garantir a compra do passeio à Ilha do Sol e foi o que fiz em seguida.
Acordei. O corpo se enroscava nas mantas grossas e lençóis sobrepostos e insistia em não deixar aquele lugar que o fizera descansar e aquecer. Mas o horário, a passagem paga e o desejo derrotaram esse corpo renitente e pus-me a correr entre chuva, vento e frio quando cheguei às embarcações. Estava atrasado e meu barco já havia saído. Fui imediatamente acomodado em outro e segui em direção à ilha. Aos poucos, a cidade foi deixada para trás e a cortina de neblina abria-se e colocava em cena uma outra paisagem: a Ilha do Sol.

Terra à vista. Dessa vez, não fui recepcionado com cantos, mas as belezas naturais de uma ilha - que parece conservar uma virgindade perdida - deram as boas-vindas. No lugar do desembarque, portão de acesso à ilha, um comércio inexpressivo aguarda a leva de consumidores que pechicham mesmo sem disporem de muitas opções. Vale lembrar que o turismo é intenso nesses roteiros e o turista é sempre visto como possibilidade de um lucro que é garantido de maneira arbitrária.
Câmera em  mãos, dei início ao registro fotográfico que se estendeu durante todo o dia. Nos lugares altos, sentava numa pedra, descansava um pouco e seguia registrando instantes de uma modelo que posa com graciosidade e elegância: a natureza.
Enquanto abria os tornozelos nas ladeiras por onde desfilavam indígenas, a fauna vigorosa, a flora exuberante e os turista vorazes, deixei que meu olhar recaísse sobre aquele paraíso cheio de anjos decaídos em busca de sintonia com o Todo e paz interior.
Antes de voltar à embarcação, conheci um viajante de Garanhuns, cidade dos meus pais, que estava há dias percorrendo a América do Sul sobre duas rodas. Ouvi atento suas histórias e pensei que minha loucura era sã diante dos relatos do meu conterrâneo.
De volta ao hostel, voltei a mirar o Titicaca através da larga janela e mergulhei nos pensamentos que eram turbilhão na cabeça de um viajante disposto a reencontrar na diversidade humana o elo que nos faz pertencer à mesma família chamada Humanidade. Absorto em pensamentos dessa natureza, esqueci que precisava comprar a passagem que me permitiria chegar ao próximo destino: La Paz. No dia seguinte, procurei uma agência e rumei estrada afora.


domingo, 10 de março de 2013

Sede de Viver de Vincente Minnelle


Sede de viver de Vincente Minnelle foi filmado em 1956 e é considerado uma das melhores cinebiografias sobre Van Gogh. O ator Kirk Douglas esbanja em interpretação que faz com que vibremos na mesma sintonia que movimentou os dias do pintor holandês. A música dá o tom exato que a vida conturbada de Van Gogh exprimiu. A cena na qual o pintor corta a orelha é de um brilhantismo ímpar. Por fim, uma comparação que pode até ser burra, mas que não posso deixar de fazê-la. Em Vincent Van Gogh: Vida e Obra, que foi filmado por Robert Altman, o pintor impressionista aparece muito mais selvagem e o realismo da sua angústia existencial é muito mais cru e nu. É isso.

domingo, 3 de março de 2013

Crônicas de um mochileiro em Cusco/Machu Pichu

As reminiscências são sempre mais vivas e intensas que a realidade e o vivido. Rememorar é buscar detalhes, selecionar experiências, refazer caminhos materiais e afetivos. Em suma, é recorrer às lembranças que descansam em nosso olhar. Assim, retomo essas lembranças e quebro a sequência dos fatos e do roteiro, uma vez que Cusco não foi a última cidade a ser visitada, mas Puno, sobre a qual já escrevi.
Cheguei em Cusco aproximadamente no dia 13 de janeiro e, de pronto, não me encantei com a Cidade Imperial dos Incas. Mas essa má impressão durou pouco. Após desambarcar na rodoviária, dirigi-me à praça principal onde um misto de deslumbre e curiosidade se apoderou de mim. Aos poucos, enquanto passava o olhar pelas belezas arquitetônicas daquele centro histórico, comecei a entender porque Cusco atrai tantos turistas e também compreendi o fato de ser uma parada obrigatória para o visitante que pretende esticar seu passeio até à cidade sagrada dos Incas: Machu Pichu. Nela (em Cusco), percorre a brisa da história que envolve suas ruas, esquinas e construções que datam do séc. XVI quando lá chegaram os dominadores espanhóis. Mas o nascimento dessa cidade que já serviu de base administrativa, religiosa e cultural ao Império Inca data do século XII. Até a chegada dos espanhóis, Cusco funcionava como a sede de um dos maiores impérios que a América Latina abrigou e, onde hoje vislumbram-se templos católicos, era possível ver os lugares sagrados do povo inca. No afã da expansão europeia, templos e índios foram pilhados e assassinados sem que pudessem provar sua importância no cenário cultural da humanidade.
Como já foi dito, Cusco é parada obrigatória para quem deseja chegar a Machu Pichu. Na cidade Imperial, fiquei hospedado no Flying Dog Hostal que já era conhecido uma vez que me hospedei em hostal da mesma rede na cidade de Arequipa. No mesmo dia, conversei com o representante de uma agência que mantém um convênio com o hostal e fechei o passeio a Machu Pichu com essa agência que cobrou 585,00 soles (tudo incluso). Isso equivale aproximadamente a R$ 585,00, uma vez que o câmbio entre as moedas é praticamente 1 para 1. Em Cusco, há muitas agências que oferecem passeios, mas nem todas são confiáveis. É muito importante obter o máximo de informação sobre a agência e junto à agência para que tenha certeza que não está fazendo um mau negócio. Os peruanos são agradáveis, receptivos e pacíficos, mas em matéria de negócios é bom ficar atento porque pode se deparar com um oportunista.
O percurso até Machu Pichu é razoavelmente longo, pois o trem não sai de Cusco, mas de uma cidade que fica a aproximadamente 1h30 da cidade imperial. O caminho é repleto de curvas e, ao logo do trajeto, é possível ver de relance a entrada de sítios arqueológicos que estão localizados nas proximidades da cidade histórica dos incas. Até à estação fomos de van e depois seguimos de trem. A viagem dura aproximadamente 2h e a paisagem é de tirar o fôlego. Na classe que viajei, não há muitos serviços e o conforto não chega aos excessos da primeira classe que é muito mais cara. Entretanto, a falta de serviços excelentes foram substituídos pelo bom papo que se desenvolveu ao longo da viagem com dois passageiros que se dispuseram a me dar uma aula sobre Machu Pichu.

Enfim, Águas Calientes ou Machu Pichu Pueblo. A bem da verdade, trata-se de um pequeno povoado onde se concentra um número considerável de hoteis, pousadas, hostals e casas de comércio bem como um centro voltado para a venda de artesanato produzido por artesãos locais e provenientes de Cusco. É o lugar ideal para quem deseja descansar antes de rumar à Cidade Perdida dos Incas. Os dois rios que passam pelo povoado e as montanhas que os cercam se encarregam de criar o clima perfeito de sossego e paz. Dormi em Águas Calientes e, no dia seguinte, por volta das 5h, tomei a van que me levaria ao desejado templo sagrado dos Incas.
Após 20 minutos de belezas naturais, chegamos a um dos lugares mais fascinantes da nossa Casa Comum, a Terra. O movimento é intenso na entrada do sítio arqueológico, uma vez que os turistas chegam em horários próximos. Identificado o guia turístico, iniciamos a jornada pela religiosidade, cultura e cosmovisão inca. Inquieta e encanta a organização de uma sociedade indígena que construiu uma cidade num lugar tão inacessível e pouco propício à vida humana porque queria se proteger dos invasores que pilhavam sua gente e terra. Protegida pela Montanha Jovem e Montanha Velha, Machu Pichu foi o centro urbano de uma civilização que cultivou a terra, cultuou os deuses e produziu cultura sem agredir a Pacha Mama, ou Mãe Terra. A cruz andina representa essa comunhão desejada por esse povo que estabelecia com o seu entorno uma profunda relação de respeito e gratidão. E essa relação é expressa na cruz andina por meio do simbolismo dos três mundos: superior, o dos vivos e o inframundo que se encontram representados nas três pontas da cruz.
A cidade sagrada foi descoberta por camponeses que exploravam a região, mas só do arqueólogo Hiran Binghan recebeu a devida investigação científica. Binghan registrou suas descobertas no livro La Ciudad Perdida de los Incas: Machu Pichu.
Liberados pelo guia, resolvi voltar a fazer o mesmo percurso e explorar outros para perceber nuances e sentir melhor a cidade, pois isso não é possível quando temos que acompanhar um guia que nos conduz a passos rápidos. Assim, voltei aos templos, fotografei símbolos sagrados, subi a montanha de Machu Pichu, passei entre as paredes de pedras que constroem os aposentos dos sacerdotes e importantes figuras da escala social inca, vi a neblina ir embora e o deus Sol iluminar a cidade que ecoa os sonhos, a coragem e a sabedoria de um povo.
A volta a Cusco foi materialmente tranquila, mas minha mente não estava tão tranquila quanto a viagem e ainda tentava processar todas aquelas informações captadas pelo olhar e sorvidas pelos demais sentidos. Agora no Brasil, passado pouco mais de um mês dessa experiência, nutro a esperança de um dia voltar a Águas Calientes e, certamente, a Machu Pichu, a fim de escrever os primeiros capítulos das percepções impressas pelos Caminhos da América do Sul. É isso.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Nota sobre Appetite for Destruction - Guns n´Roses

Guns n´Roses - Appetite for destruction foi o disco de estreia mais vendido de todos os tempos. Levou o disco de platina 18 vezes e virou o carro-chefe da banda. No repertório, nenhuma música leve aparece. Sob influência do Hard Rock que dominava a cena estadunidense à época, o álbum traz um som pesado que contrasta com letras doces e que, em sua maioria, falam de solidão, desespero diante da contradições da vida e da busca por um amor que ilumine os desconcertos da condição humana. É o que atesta trecho de You´re crazy: I been lookin´ for a trace/Lookin´ for a heart/Lookin´ for a lover in a world that´s much too dark.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Fotografia premiada

Quando a fotografia diz mais que a própria realidade...
Fotógrafo sueco, Paul Hansen, ganha prêmio (World Press Photo) com esse registro da tragédia em Gaza.
 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Um pouco de Hilda Hilst

 
 
homenagem. 4 fevereiro-

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas
escomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te
ôfrega
Como se fosses morrer colado à
minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do
amanhecer.
Hilda Hilst

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

La Désitégration

Assisti ao primeiro filme do My french film festival. Gostei. O roteiro é denso e traz á luz as contradições vivenciadas por estrangeiros árabes na vivência da sua fé e na luta por um espaço em território francês. Esse sentimento de não pertença leva ao fanatismo quando, liderados por um extremista, três jovens resolvem cometer uma ação terrorista. 

Cinema Pernambucano entre os melhores do mundo

No jornal Nueva Crónica, publicado na Bolívia e dedicado à política e cultura, encontrei na matéria 2012: las mejores películas, según la crítica o filme O Som ao Redor do pernambucano Kleber Mendonça Filho.

Crônicas de um mochileiro em Puno

Puno foi a última cidade do Peru onde Caminhos da América do Sul atracou seu mochilão. Entre Arequipa e Puno, temos Cusco e Machu Pichu que merecem uma postagem - talvez duas - muito especial. Cheguei em Puno avisado acerca do frio e não foi diferente do que me disseram. É, sem sombra de dúvida, uma das mais frias do Peru. Com apenas um dia para conhecer a cidade que possui ingresso para três ilhas, tive que eleger a ilha e organizar as coisas de tal forma que sobrasse tempo para conhecer a cidade. A ilha foi mole... Elegi aquela que ficava mais perto de Puno e havia sido indicada quando ainda estava no Brasil: La Isla Flotante de los Uros. No dia seguinte, após tomar chuva feito lavoura, fui ao porto de onde partem os barcos em direção às ilhas. Sem muita conversa nem pesquisa de preços, comprei ingressos e passagens do primeiro que me ofereceu. Mas assim o fiz, porque concluí que não estava sendo explorado. Seguimos. Passeio agradável de barco pelo lago Titicaca e uma tentativa de conversa em francês com um casal de idade avançada que também explorava a América do Sul fizeram com que a viagem passasse sem que percebêssemos e, quando nos demos conta, estávamos diante da placa Bienvenidos a Las Islas Flotantes de los Uros. Colocada numa espécie de mirador, a placa anuncia a chegada.


E o barco segue... Mas não muito. De repente, não mais que de repente, atracamos e mulheres indígenas nos recebem com cantos e mãos que acenam. Desembarcamos e, de pronto, fomos convidados a sentar em sofás feitos de "bambu" para recebermos algumas informações de uma das representantes da ilha. Sentamos e escutamos atentos as palavras que nos diziam da origem dos Uros, crenças, trabalhos e organização social. Anteriores a era colombiana, os Uros tinham como finalidade garantir a segurança dos seus membros quando desenvolveram esse tipo de habitação. Hoje as ilhas flutuantes são um grande atrativo turístico e índios vivem da venda do artesanato que é comercializado nas tendas que se encontram espalhadas pela ilha. Após a apresentação, fomos convidados a entrar em uma das casas e ali recebemos mais informações acerca da organização privada de uma família Uros. É estranho e ao mesmo tempo prazeroso andar sobre aquelas totoras. Em algumas partes, temos a impressão que aquela estrutura não é suportável e vamos afundar nas profundidades do Titicaca. Isso me deixava inseguro, embora a nossa professora tenha nos deixado tranquilos em relação à construção do "piso" da ilha.
Após a apresentação, o convite foi ao consumo. Afinal de contas, os Uros vivem basicamente da caça de aves, pesca e artesanato. Há também outra fonte de renda: o passeio de Mercedes Benz, como falou, num tom extrovertido, a nossa professora. O Mercedes Benz, a bem da verdade, trata-se de um barco feito do mesmo material (penso eu) que constroem as ilhas flutuantes. Lembra aqueles barcos dos Vikings e não me neguei a pagar 5,00 soles sob pena de despediçar a oportunidade de fazer uma viagem de Mercedes Benz pelo Lago Titicaca até a capital da ilha.
Quando o Mercedes Benz deu partida, as índias que cuidam da recepção  logo se enfileiraram e cantaram três canções em aymara, quechua e espanhol. O vídeo que disponibilizo traz a canção em quechua, língua oficial dos Incas e ainda bastante falada na comunidades indígenas.
Enfim, chegamos à capital. Ali, tudo é mais abundante. Tendas se multiplicam e temos mercadinho e restaurante onde se serve o melhor da culinária peruana. Com câmera a postos, olhar curioso e ouvidos atentos, tentava entender como conseguiam ser felizes em condições tão precárias e distantes de tudo. Não encontrei respostas. Mas tenho por certo que são felizes. E isso é possível porque não existe uma única receita para a felicidade. Talvez seja isso que a vida dos Uros queira nos provar ou nos prove indiretamente: felicidade é uma construção que pode seguir diferentes caminhos.
Voltei e, devido ao tempo escasso, não foi possível conhecer a cidade. Motivo para voltar a Puno e, quem sabe, aos misteriosos Uros.


Une Bouteille a la Mer

 
Ela? Uma francesa de 17 anos que mora em Jerusalém e vivencia os dramas inerentes à idade e à situação sociopolítica do Estado de Israel. Ele? Um palestino que trabalha entregando roupas e cujo limite físico é a faixa de Gaza onde o medo e a morte desfilam sem trégua. Ela quer entender aquele estado de coisas e ele alimenta o sonho de sair da Palestina e levar seus sonhos além dos limites estreitos da faixa. Uma carta dentro de uma garrafa lançada ao mar os une. Ele supera seus medos, aprende francês e ultrapassa a faixa de Gaza. Ela agora alimenta o desejo de poderem se encontrar em Paris. Destaco a cena que a mãe, aflita porque conflitos explodiram, olha para ele e diz: fale algo em francês. Excelente!!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Crônicas de um mochileiro em Arequipa

A cidade de Arequipa no Peru é um destino que não pode ficar fora do roteiro de qualquer mochileiro que tenha interesse em arquitetura colonial, ruas que transpiram histórias passadas e museus que, ao contar a saga dos incas, dos honoráveis arequipenhos e religiosos, contam o progresso da humanidade. Cheguei em Arequipa no dia dez de janeiro e, no dia seguinte, quando começo a desbravar suas ruas com cheiro de memória, deparo com um Centro Cultura Peruano Brasileiro que fica a alguns metros do hostal onde estava hospedado. De repente, um misto de curiosidade e espanto invadiu e arrastou meus pés até o referido instituto de ensino de português para estrangeiros. Já dentro da sua secretaria, conheço uma das professoras do instituto e podemos falar sobre a demanda de estrangeiros que buscam aprender português, número de alunos por sala, material didático, entre outras coisas. Dessa conversa, resultou que no fim da tarde ganhei um livro didático de ensino de português como segunda língua. A experiência não poderia ser melhor para um professor de português que difunde o valor intríseco e extrínseco que sua língua carrega.
 

Continuo percorrendo as ruas largas de Arequipa que apontam para a grandiosidade de suas contruções e chego à praça das armas onde a catedral se impõe como uma gigante a esmagar os meros mortais que ousam caminhar sob suas sombras ou sentar nos degraus que dão acesso a um majestoso templo que abriga não só a piedade cristã, mas objetos de arte dos mais variados valores históricos e artísticos. Foi nessa catedral que dediquei alguns minutos a fotografar e admirar um órgão que se insinuava arrojado e delicado e parecia entoar uma peça, mesmo sem alguém a dedilhar suas teclas. Nessa praça, que chama a atenção não só pela catedral que majestosamente emana poder sobre seus súditos e lhes inspira alguma crença, há também o espaço reservado aos arequipenhos que conversam, contam anedotas, falam de suas vidas, despedem-se de seus amores, realizam negócios, vendem suas fotografias e murmuram suas narrativas existenciais.
 
 
Há muitas opções turísticas em Arequipa, mas há uma que não pode ficar fora do roteiro de um mochileiro que se interessa por museus: o Mosteiro de Santa Catarina de Sena. O convento, que foi fundando em 1579, encontra-se dividido em duas alas que são ocupadas pelas irmãs dominicanas e o museu. Como se trata de um convento onde vivem freiras enclausuradas, só visitamos a área reservada ao museu que, diga-se de passagem, ocupa um espaço considerável. Tão considerável que passei duas horas e meia para conhecer e fotografar o lugar. A história do convento e das freiras que ali viveram sua vida de clausura e fé encontra-se intrisecamente ligada à política e formação social e humana de Arequipa, de maneira que mergulhar nos labirintos feitos de celas, cozinhas, escadas e salas de estar que compõem esse cenário religioso é, a um tempo, passear pelos séculos que testemunharam a fundação e desenvolvimento de Arequipa.
 

Andei, apurei o olhar, observei e também provei muitas "tajas" quando passava pelas ruas de Arequipa. "Tajas" é um chocolate parecido com o que no Brasil chamamos de trufa. Ao voltar de um desses passeios, esbarrei num centro cultural dedicado ao arequipenho que deixou o Peru para ganhar o mundo físico e o mundo pessoal, íntimo, transpessoal, que constitui cada um de seus leitores: Mario Vargas Llosa. Ali, há uma pequena exposição de diferentes títulos publicados nas mais diferentes línguas, uma biblioteca onde jovens liam em absoluto silêncio, uma sala reservada à exposição fotográfica e outras dependências onde cursos são ministrados. Enfim, um espaço digno do nome Vargas Llosa.


No último dia em Arequipa, saudade era um sentimento antecipado pela estreita relação afetiva que estabeleci com a cidade que é observada por um velho vulcão que destruiu e ofereceu as pedras que ajudaram a reconstruir a cidade. Construída com pedras vulcânicas, Arequipa exibe, sem vergonha ou falsa modéstia, a brancura de seus muros que chegam a causar vertigem nos olhos ainda não acostumados a uma beleza sem cores.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Crônicas de um mochileiro em Nasca

Descemos em Nasca no dia 08 de janeiro e a impressão que tive foi de  uma Nasca pacata, sem grandes atrativos e cujo desenvovimento havia parado num passado que não conseguiu recuperar, amarrar as pontas e dar continuidade. Hospedado, saí para conhecer melhor aquela pequena cidade do interior do Peru. Caminho a passos lentos, entro e saio de ruas, esbarro em praças e a impressão não muda. Nasca é mesmo uma cidade com pouquíssimos habitantes  que têm numa pequena praça que fica lotada no fim da tarde seu único lazer e ponte para interações que lembram as pequenas cidades do interior de Pernambuco. No chão da praça, figuras de animais remetem às linhas de Nasca e divertem as crianças que não passam despercebidas sobre aqueles desenhos quem povoam seu imaginário. Fotografo e filmo a praça. Busco captar, por meio de fotografias e uma pequena filmagem, as tradições, hábitos, crenças e sonhos de um povo que aprendeu a (sobre)viver à escassez que o deserto impõe.

À noite, fui ao hotel Nasca Lines onde pude ver Júpiter e suas luas. Agora a estada na cidade ganhou um véu de poesia. Até então não havia mirado o céu em um planetário nem recebido aula sobre as diferentes constelações e seus significados profundos. A partir de então, sedimentou-se a certeza de que há uma estreita relação entre o céu e a terra, de tal maneira que nossos desejos mais amplos, sejam bons ou maus, refletem no todo. O contrário também é verdadeiro. Depois dessa aula ao ar livre e rodeada de estrelas, ingressei numa sala onde me foram apresentadas as linhas de Nasca, seguidas de uma explicação ou, melhor seria dizer, das explicações que tentam lançar luz sobre um mistério que grassa o tempo e ainda hoje produz teses as mais diversas sobre o assunto. Essas linhas formam um conjunto de figuras de animais, plantas etc e geométricas que foram feitas pela civilização de Nasca entre os anos 400 e 650 d.C no deserto de Nasca. Foi fundamental conhecer mais sobre as linhas antes de partir em passeio no dia seguinte para ver isso de um mirador. Edgardo, nosso host e guia em Nasca, apresentou um panorama a um tempo, curioso, encantador e científico daquilo que hoje é patrimônio da humanidade e foi objeto de estudos durante 40 anos da arqueóloga alemã Maria Reiche. Impressionou conhecer sua dedicação durante tantos anos de vida a fim de desvendar os mistérios riscados pelas linhas num deserto onde as condições são tão precárias. Após a apresentação, visitamos o quarto onde viveu durante o tempo que passou em Nasca a investigar essas linhas. Hoje li no jornal que um filme sobre sua vida e trabalho investigativo começará a ser rodado este ano.

Cheguei ao deserto de Nasca. É difícil descrever a sensação de estar ali e ver as linhas que podem ter servido a tantos objetivos possíveis, como representar a posição dos astros, marcar a posição dos participantes de rituais religiosos ou, ainda, estabelecer uma relação com o rio, fonte de vida, que garantiria a sobrevivência dos antigos povos do deserto. Meu olhar alcançou apenas duas figuras, porque não fiz o passeio de avião que permite ver todas as linhas e figuras. Não foi necessário ver todas para entender que a humanidade significa sua vida por meio de símbolos que carregam seus sonhos, crenças, desejos e perspectivas. Além disso, chama-me particular atenção que tenha escolhido uma forma de arte para produzir significados e, assim, perpertuar suas tradições e cosmovisão.
As linhas de Nasca abrem o livro da história dos homens em sua tentativa de entender a si mesmos, à sua comunidade e organização social e o mundo no qual se encontram como parte de Algo Maior que os inclui e do qual se sentem pertencentes.
Por fim, quero deixar um agradecimento especial a Edgardo que gentilmente nos cedeu o espaço de uma vida que, como as linhas de Nasca, constitui um mistério a ser desvendado porque capaz de atitudes demasiadamente humanas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Balneário de Huacachina em Ica

Chegamos em Ica e fomos logo conduzidos ao Balneário de Huacachina, onde se concentram os hotéis, hostels, bares, restaurantes e as dunas que tocam o céu. Após o almoço, começamos a fazer uma trilha pelas dunas que esgotam qualquer ciclista, hauterofilista, escalador etc rapidinho. O balneário é formado por dunas imensas e uma lagoa cercada de coqueiros. E isso nao foi miragem...
Mas porque esse nome, Huacachina? Conta a lenda que uma jovem (china refere-se à mulher) se banhava com um pequeno balde de água quando foi surpreendida e perseguida por um caçador e, durante a fuga, perdeu o manto que deu origem às dunas. O pequeno balde, deixado para trás, deu origem à lagoa. Assim, Huaca(lugar sagrado)china(mulher) nasceu do sofrimento feminino. Uma narrativa pequena que explica a origem de uma beleza grandiosa.
No dia seguinte, acordamos cedo porque tínhamos agendado um passeio em Islas Ballestas (Paracas). Nessa ilha, o turista pode ver - e encantar -se - com a variedade de vida animal que ocupa suas rochas ao longo da reserva. É espetacular!!!! Imediatamente nos sentimos em conexao com o Todo e nos tornamos sensíveis à Energia Originária. Tudo parece em perfeita harmonia e pelicanos, garsas, pinguins e leoes-marinhos dividem os espaços sem conflitos aparentes. De volta a Paracas, permanecemos no povoado por uns 30 minutos e pudemos fotografar  e conhecer seu artesanato local que tem como tema a beleza da reserva natural e o legado cultural deixado pelos povos Inca e Nasca. Às 10h30, já nos encontrávamos em Huacachina para descansarmos e preparar as pernas para a próxima visita: as bodegas.
Às duas, já estávamos prontos para nosso próximo passeio: as bodegas industrias e artesanais de vinho e pisco. Antes da saída, encontrava-me inquieto porque queria entender como poderiam existir parrerais (vinhedos) em regiao desértica. Aqui utiliza-se uva para produzir vinho e pisco. Este, um destilado similar à cachaça brasileira. Abre parêntese ESTOU LEVANDO UMA GARRAFA PARA DEGUSTAR COM OS AMIGOS Fecha parêntese. :) Começamos pela bodega artesanal que tem um processo de produçao mais rústico, uma vez que nao se usa prensa para esmagar a uva, mas os pés. Depois, o vinho ou pisco é armazenado em botijas de barro onde permanece por até três anos. Diferentemente, a bodega industrial tem um processo de produçao mais sofisticado em que máquinas sao usadas para prensar e destilar. Em ambas, utiliza-se botijas ou barris para guardar. Do pisco Puro ao pisco Mosto Verde, há uma variedade que recebe nomes distintos. Provamos todos. rs Uma vez que as condiçoes de plantio de uva nao sao ideais para a produçao de vinho, o Peru ainda nao ganhou destaque internacional. No Brasil, encontro comumente chileno, argentino e agora uruguaio, mas nunca encontrei peruano. Se os peruanos nao sao bons produtores de vinho, compensam na culinária que é de "lamber os beiçu". 
 Confesso que deixei o oásis carregando uma saudade que só o deserto permite experienciar. É a saudade da areia quente que nos consome os pés sem nos ferir porque nos conecta à nossa Experiência Primeira e àquele Grau Zero da existência. É isso.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Ica, um oásis

Finalmente chegamos a Ica, um oásis de rara beleza. Neste exato momento, encontro-me no restaurante do hostel onde estou hospedado e, ao lado do restaurante, dunas homéricas de areia turvam o olhar. Não vejo a hora de começar a explorar esse pedacinho do Peru que guarda tantas surpresas naturais.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Crônicas de um mochileiro em Lima

Ontem voltamos ao centro de Lima que é um espetáculo a céu aberto de arquitetura, arte e diversidade cultural. Além dos prédios históricos que saltam aos olhos, impressionou-me a limpeza do centro e a organizaçao de suas ruas e lojas. Raramente se vê um ambulante interditando as calçadas ou empurrando produtos nos pedestres que passam. Aproveitei essa segunda passagem pelo centro para visitar o Museu de Arte Contemporânea (Mali) onde visitei três salas: Contemporâneo, Martin Creed e Gerard Richter. Por se tratar de arte contemporânea, um olhar apressado nao é suficiente para entender minimamente a obra. Saindo do Mali, ingressei no Museu italiano que conserva a memória da presença italiana em Lima.

Ao fim da tarde, encontramos Valeria no bairro de Miraflores que se caracteriza de modernidade com seus edifícios espelhados, cassinos, bares, cafés e uma orla requintada. Embora nao seja uma regiao que me interessa explorar, fiquei impressionado com o desenvolvimento e modernidade de uma cidade que imaginava atrasada e sem grandes atrativos. Em Miraflores, o que me mais me chamou atençao foi o sítio arqueológico chamado Huaca Pucllana que conserva uma área antes habitada pelos povos Limas que sao anteriores aos Incas. A pirâmide que conhecemos, orientados por uma guia, era usada em rituais religiosos e procedimentos administrativos referentes à vida daquele povo. Magnífico!!! Aula de história melhor nao há.
À noite, fomos ao meeting do CouchSurfing e conhecemos viajantes que, como nós, passam dias em Lima, além dos membros locais que nos receberam com muita simpatia. Amanha seguimos a Ica.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Crônicas de um mochileiro em Lima (Peru)

Expectativa era o que me acompanhava durante a madrugada do dia 03. Cheguei no aeroporto à 1h15 e Júnior já havia chegado e estava com a cara mais inchada que a minha. Despachamos as bagagens e nos dirigimos ao portao de embarque. A viagem foi tranquila e o trecho Sao Paulo - Lima foi realizado numa aeronave pronta para compensar a noite sem dormir. Aproveitei as regalias e ouvi o novo CD da Adriana Calcanhoto e revi Meia-noite em Paris do Wood Allen. Em Lima, temperatura amena e uma vontade enorme de começar a expediçao pela cidade. Encontramos Valeria que nos acompanhou em nosso primeiro passeio pelo centro histórico da cidade.
Fora o trânsito caótico que pertuba a calmaria de uma capital que mais parece um interior com praia, shopping, aeroporto e Mc Donald, Lima se veste de belezas e tipos inusitados que só uma cidade andina e com um passado histórico que tem em seu registro culturas milenares poderia oferecer. Saquei a câmera e comecei a fazer muitas fotos numa atitude recorrente de deslumbramento diante daquela noiva que aos poucos se despia como numa noite de núpcias a fim de ser desvirginada. Os peruanos, a princípio, parecem ariscos e desconfiados, mas quando nos aproximamos deles e ganhamos sua confiança, nao demora a abrir um sorriso largo e metralhar com uma série de perguntas sobre o Brasil. Se você responde com simpatia, pode até receber um elogio como o que ouvi: "seu espanhol é muito bom." Nem é difícil imaginar como inflei nesse momento. (rs)
Com outra bagagem da língua espanhola, agora consigo me comunicar melhor, estabelecer uma comunicaçao razoável e, até o momento, parece que os "micos" ficaram no passado, ou seja, lá em 2012 quando pela primeira estive num país de língua espanhola. Por fim, as expectativas por aqui nao podiam ser melhores e amanha exploro esse novo caminho da América do Sul que carinhosamente é chamado de Lima.