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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Viagem e abandono

Há um sentido, atribuído ao longo da experiência humana, ao ato de viajar que não reside no encontro de mundos culturais, mas no abandono de lugares físicos ou simbólicos. Viajar é também deixar para trás um mundo conhecido, confortável e onde transitamos à vontade. É um momento em que nos desligamos do já conhecido e mergulhamos no desconhecido. A ruptura com esse lugar amigável traz a sensação de instabilidade e ausência de raízes e, por vezes, nos soa como perda da identidade, da individualidade e das origens. A verdade é que, quando viajamos, acenamos saudosamente a um mundo de crenças e convicções que aos poucos vai se desfazendo à medida que outro mundo se constrói. É assim que devemos entender os movimentos que marcam uma viagem. Ao decidirmos sair, imediatamente nos dispomos a lançar novas pontes entre nós e o desconhecido que recria nossa visão de mundo e, consequentemente, nossa maneira de estar no mundo. É intrigante, mas dizer isso significa afirmar que não estamos prontos, mas em contínua e perpétua construção e a viagem é não somente um deslocar-se em direção ao outro (seja lá o que/quem for esse outro), mas um deixar para trás um sem número de coisas que haviam se fossilizado em nós. É assim que entendo o processo de criação no qual todos estamos inseridos. Todos os dias somos recriados e isso não se dá apenas por aquilo de novo que em nós se produz ou abraçamos, mas também pelas coisas que deixamos atrás de nós. Citei, no post anterior, alguns livros e filmes que se organizam em torno da viagem: entendida, simultaneamente, como o ato de deslocar-se fisicamente de um lugar a outro e ação simbólica revestida de sentido humano e afetivo. Neste post, a memória abre diante de mim dois livros de Hermann Hesse: Demian e Narciso e Goldmund. Nessas duas obras, o simbolismo da partida é muito forte e percorre toda a narrativa. Em Demian, Sinclair é convidado pela vida a deixar o aconchego e segurança do lar paterno, a fim de empreender uma jornada por lugares que ignorava. O que chama a atenção nessa jornada empreendida por Sinclair é o fato de que, ao mesmo tempo que deixa para trás uma vida já conhecida e segura e conhece aquela que recusara até então, retorna, reiteradas vezes, ao mundo que abandonara e encontra nesse mundo uma espécie de conforto e salvação. Recusar um mundo para ganhar outro. Ganhar o novo mundo sem perder as referências do velho mundo. Construir-se sem perder as referências que nos impulsionaram a caminhar. Eu penso que isso resume bem o aspecto pendular da vida de Sinclair. É necessário ganhar um mundo, mas, para ganhá-lo, é necessário perder sem deixar de reconhecer naquele estado de coisas que abandonamos o gérmen de um impulso que nos conduziu à vida. Se Sinclair teve que deixar o lar paterno, Goldmund recusou a paz do mosteiro e a amizade singular de Narciso para sugar a essência da sua existência tão particular e tão universal. Em ambos, a existência encontra-se marcada pelo signo da partida. Partir é viver, pois o autoconhecimento é fruto de vivências que se acumulam nos arquivos da nossa vida. Partir é lançar-se sobre o porvir, o sol que nasce, uma manhã orvalhada, mas é também manter um braço sobre o fim de tarde. A viagem de cada um de nós, sempre única e singular, é feita de olhos postos no futuro e pulos dados do trampolim de velhos mundos dos quais nos despedimos quando pomos o pé na estrada.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Uma viagem, uma porta, inúmeras possibilidades

Viajar é sempre um ato carregado de simbolismos. Há na literatura e no cinema um número amplo de enredos que envolvem ou estão assentados no tema da viagem. Em A volta ao mundo em 80 dias de Júlio Verne, a viagem é a protagonista da narrativa que se desenvolve sob a tônica da partida. Outro exemplo que nos vem da literatura é o livro On the road do americano Jack Kerouac. Esse livro nos põe em contato com a libertação que o protagonista Sal vivencia à medida que avança em sua viagem. Do cinema, temos o filme Chegadas e partidas do Lasse Hallstrom que traz para a tela o processo doloroso de autoconhecimento do protagonista que encontra na viagem física, mas também espiritual/interior, o ponto de encontro entre aquela parte de si que está perdida e aquela outra que deseja desesperadamente o encontro consigo mesmo e o equilíbrio. Em todos esses produtos de arte, encontramos a viagem sendo lida e interpretada em diferentes chaves: a viagem é, por um lado, aquilo que te põe em movimento e faz com que se desligue de um mundo pré-existente e rume em direção a novos mundos (há tantos mundos quantos são as pessoas que encontramos e situações vivenciadas). Quando viajamos, não mergulhamos apenas em nosso mundo, mas desbravamos o mundo alheio num total desejo de encontrarmos ali um lugar onde possamos ser nós mesmos e nos conhecermos. Ao final de Paisagem na neblina do grego Theo Angelopoulos, reencontramos aquelas crianças amadurecidas e prontas para enfrentar os novos perigos que estão por vir. O que permitiu essa maturação, senão a viagem? É durante uma viagem de volta para casa que o transexual Bree, primorosamente interpretado pela atriz Felicity Huffman, redescobre no filho delinquente e problemático a sua vocação para o cuidado. Desse modo, viajar significa bem mais que o deslocamento físico ou a ação consequente de tirar fotos e conhecer novos lugares. Viajar assume para o viajante uma dimensão muito mais fina e profunda que o coloca diante de inúmeras portas que representam diferentes oportunidades propiciadoras de vivências que nos enriquecem sob diversos aspectos. Nisso reside o simbolismo da viagem: fazer vislumbrar portas que se abrem de par em par e nos apresentam possibilidades que nos convidam ao encontro com o diferente, mesmo quando esse diferente é aquela parte de nós que ainda não percorrermos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Tempo e fotografia

A fotografia de Mateus Sá está exposta no Centro Cultural Correios que fica no Bairro do Recife. A exposição, que traz o nome Antes de ontem, Ontem e Hoje, faz referência à memoria a partir de fotografias do Mateus Sá e do seu pai que também se interessava pelo ofício de fotografar. As fotografias foram distribuídas de acordo com o tempo que representam e podem ser visualizadas em suportes diversos. A partir da sequência de fotos, é possível fazer a experiência do tempo que passa e deixa vestígios pelo caminho e, simultaneamente, projeta-se em direção ao futuro. Vale a pena conferir!

XIV Virtuosi

O XIV Virtuosi, festival de música erudita, começou ontem em Olinda e estender-se-á até o dia 18.12.2011. O evento, que passará por Olinda, Recife e João Pessoa, faz homenagem a Frans Liszt e Gustav Mahler. Na execução de peças desses compositores, nomes como os de Leonardo Altino, Ana Lúcia Altino, Alexander Hrustevich, Benjamin Sung, Anton Martynov, entre outros. Ontem estive na apresentação de abertura na Igreja da Sé em Olinda e pude apreciar a grandiosidade da obra de Bach nas cordas do Cello de Leonardo Altino. A partir da terça-feira, o festival continuará acontecendo no Teatro Santa Isabel a partir das 18h. Fiquem à vontade!