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domingo, 27 de junho de 2010

Pelas ruas do Recife

Anúncio no jornal: "programação comemorativa pelos 160 anos do teatro Santa Isabel tem apresentação nos dias 20 e 21 de maio de 2010 da peça 'Sopros de vida', baseada no livro do britânico David Hare. A peça traz no elenco Rosamaria Murtinho e Nathalia Thimberg." Não pensei duas vezes. Logo saí da escola, passei em casa e em seguida desci no Recife Antigo com destino determinado: teatro Santa Isabel.
Percorrer as ruas do Recife Antigo é como se descobríssemos a máquina do tempo. Suas construções, pontes, igrejas, artesanato, ruas etc sempre nos fazem remontar a um passado que, na maioria das vezes, nem sequer conhecemos. Contudo, a história contada e recontada em cada esquina, rua e labirintos que abriga ajuda-nos a reconstruir imaginariamente os contornos e entornos de vidas vividas e momentos deflagados.
Durante o percurso, chamou-me particular atenção a inscrição no frontispício de um prédio com ares de imponência e acolhimento: Gabinete Português de Leitura . Resolvi entrar. Embora as portas grandiosas estivessem abertas, entrei receoso e meio que querendo pedir licença. De imediato fiquei impressionado com a grandiosidade do espaço, os quadros que se distribuiam pelas paredes conservadas e limpas, livros que pareciam recepcionar os visitantes. Troquei algumas palavras com o recepcionista e ele disse que o gabinete era uma instituição cultural, literária e de estudos lusófonos. É mantido por uma colônia de portugueses radicada em Recife que procura manter acesa elementos da cultura portuguesa, como livros, brasões, condecorações, móveis, fotos etc. Continuei a visita guiado por uma senhora bastante simpática que me abriu as portas de um espaço que funciona, a um tempo, como biblioteca e sala de reunião. Esse ambiente guardava um lustre de saltar aos olhos e uma biblioteca que muito me fez lembrar a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Após assinar o livro de visitas, desci as largas escadas e continuei meu trajeto.




Até poderia ter passado despercebida. Mas não foi possível. Aquela igrejinha envelhecida pelo tempo e com sinais de deterioração convidou-me a entrar. Era a Igreja de Santo Antônio. As dimensões físicas da igreja são acanhadas, mas o espetáculo que apresenta em imagens sacras, pinturas em ouro, arquitetura e azulejos que contam fatos bíblicos prendem o olhar e liberam a emoção. A Wikipédia nos dá a seguinte descrição:
A presente Igreja de Santo Antônio é a sucessora do primitivo oratório erguido junto com o convento no século XVII. No início do século XVIII o oratório foi substituído por uma igreja maior, novamente remodelada entre 1753 e 1770, o que lhe emprestou o seu atual estilo rococó.
O interior, de nave única, preserva uma série de painéis de azulejos representando cenas da vida de Santo Antônio ao longo das paredes laterais e junto ao piso, e mostra algumas tribunas, um púlpito à direita e um teto em abóbada de berço (com pinturas de Sebastião Canuto da Silva Tavares) de onde pendem grandes candelabros.

Bancadas e um corredor central conduzem até o fundo da igreja, cuja parede é completamente recoberta de talha rococó de refinado desenho. Nesta parede duas capelas secundárias se apegam ao arco do cruzeiro, dedicadas à Virgem Maria e São Francisco, respectivamente à esquerda e à direita, ladeando a capela-mor, em um nicho recuado. Seu retábulo ostenta um grande crucifixo rodeado de resplendor, tendo aos lados dois pares de colunas de capitel coríntio e fuste salomônico em uma e canelado em outra, além de estatuária menor, e um grande frontão ricamente lavrado. Acima, o teto da capela-mor é também em abóbada de berço revestida de azulejaria policroma em motivos florais.

Anexa à igreja está a Capela Dourada, separada da nave por um grande arco gradeado, à esquerda. Na sacristia se guarda grande quantidade de objetos preciosos de culto e outras obras de arte, como mobiliário setecentista com ornamentação de prata, obra do mestre entalhador José Gomes de Figueiredo, além de lavatórios e pinturas a óleo. Atrás da sacristia existe um pequeno cemitério, onde se eleva um cruzeiro de pedra instalado em 1840. No século XIX, a Igreja de Santo Antônio abrigou o "cemitério dos infamantes" ou "da vergonha", onde eram sepultados indigentes, escravos e mártires de revoluções, como os da Revolução Pernambucana, de 1817.





Não preciso dizer mais nada para saberem que saí encantado após ver tanta beleza esculpida em imagens, traçadas em azulejos e pinceladas sobre as paredes em pinturas de ouro. Prossegui minha jornada rumo ao Santa Isabel e, finalmente, cheguei a um dos teatros mais antigos deste país. Localizado na Praça da República, o teatro possui uma fachada traçada pelo estilo neoclássico. A fachada não encanta tanto quanto o interior do teatro e, de certa forma, eu diria que até há uma lacuna significativa entre interior/exterior. O interior deixa qualquer um estupefato e perdido entre os lustres, pinturas e arquitetura a ponto de fazer qualquer espectador perder cenas do espetáculo para admirar seu teto, camarotes e decoração. Ainda com a ajuda da nossa Wikipédia, um pouco da história do teatro Santa Isabel:
Construção
Durante todo o período de construção era chamado de Teatro de Pernambuco. Só pouco antes da sua inauguração, em 18 de maio de 1850 o seu nome foi mudado para Teatro de Santa Isabel, em homenagem à Princesa Isabel, filha do Imperador Pedro II. A sugestão para a homenagem partiu do então governador da Província de Pernambuco, Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês do Paraná. A peça apresentada no dia da inauguração foi O Pajem de Aljubarrota, do escritor português Mendes Leal.

O Teatro de Santa Isabel era a grande casa de espetáculos da cidade, lugar de divertimento, convivência social e também de exercício da cidadania. Segundo Joaquim Nabuco, foi no Santa Isabel que se ganhou a causa da Abolição, referindo-se a seus discursos e eventos lá realizados.

No século XIX, as companhias que se apresentavam no Teatro de Santa Isabel eram, na sua maioria, administradas por empresários, que firmavam contratos por longas temporadas. O teatro também recebia companhias líricas estrangeiras, entre as quais, a Companhia Lyrica Italiana G. Marinangelli, que apresentou a ópera La Traviata, em 1858.

Em 1859, o teatro recebeu seu mais ilustre convidado, o Imperador Pedro II, que, visitando as províncias do Norte, passou seu aniversário no Recife e foi ali homenageado com um espetáculo de gala.

Reconstrução
No dia 19 de setembro de 1869, o teatro foi quase que totalmente destruído por um incêndio, que deixou de pé apenas as paredes laterais, o alpendre e o pórtico, sendo construído, em madeira, como uma substituição temporária, no Campo das Princesas, o Pavilhão Santa Isabel.

A orientação vinha de Louis Léger Vauthier, que, mesmo estando em Paris, teve as suas recomendações respeitadas pelo engenheiro José Tibúrcio Pereira de Magalhães, responsável pelas obras de reconstrução do teatro. O Santa Isabel foi reinaugurado no dia 16 de dezembro de 1876.

Reformas
Em 1916, no governo de Manuel Borba, houve mais uma intervenção com a instalação de luz elétrica, reforma total da canalização de gás, substituição do pano de boca por um importado da Inglaterra e reparos gerais de conservação do prédio.

Em 1936, também houve novas reformas gerais, assim como as que foram feitas por ocasião do seu centenário, em 1950, quando era governador de Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho, prefeito do Recife, Moraes Rego, e diretor do teatro, Valdemar de Oliveira. O Santa Isabel pertenceu ora ao estado ora ao município, sendo que, a partir de 1949, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como propriedade da Prefeitura do Recife.

Houve ainda obras de restauração nos anos de 1970 e 1977 e entre 1983 e 1985 inúmeros benefícios foram realizados no Santa Isabel.

Em 2000 foi iniciada uma outra reforma que exigiu intervenções para assegurar a preservação do prédio, retomar algumas feições originais, dar mais segurança aos seus freqüentadores e mais espaços e recursos para a realização dos espetáculos. Dessa última reforma, a Fundação Joaquim Nabuco participou, através do trabalho de técnicos do seu Laboratório de Pesquisa, Conservação e Restauração de Documentos e Obras de Arte - Laborarte.




Comprado o ingresso, lembrei que estava em exposição, na Torre Malakoff, fotografias do fotógrafo francês Marc Riboud e não perdi tempo. Enquanto atravessava a ponte, o céu nublou e um arco-íris de beleza singular abraçou o céu sob o qual deixava meus passos. Naquele instante, visitou-me a impressão de que recebera uma benção naquela tarde. Vi a exposição e voltei para casa com a certeza de que entre tanta desigualdade, exclusão, violência e contradições, a cidade do Recife reserva rosas para aqueles que "enxergam" além do caos e ainda nos permite fazer a experiência da transcendência. Esse é o relato de uma tarde pelas ruas do Recife.

sábado, 19 de junho de 2010


Há livros, frases, textos que compõem o acervo da nossa história de leituras e que se atualizam sempre que revisitados. São palavras com as quais temos uma relação especial, seja por que mudaram o rumo das nossas vidas, seja por que participaram de momentos singulares e dos quais conservamos uma memória afetiva. Essas palavras nos construíram e nos impulsionaram a construir a história que partilhamos com os outros, nossos irmãos. Entre tantas palavras que atravessaram meus dias de jovem leitor, encontram-se estas do escritor Morris West:

"Custa tanto ser um homem completo, que existem muito poucos que tenham a sabedoria e a coragem para pagar o preço... Para o conseguir, é preciso abandonar, completamente, a procura de segurança e arriscar-se à vida com ambos os braços. Para o conseguir, é preciso abraçar o mundo como um amante e não esperar um regresso fácil do amor. Para o conseguir, é preciso aceitar a dor como condição da existência. Para o conseguir, tem de se cortejar a dúvida e a escuridão, como preço da sabedoria. Para o conseguir, é preciso ter-se uma vontade férrea ante o conflito, mas sempre apta a aceitar totalmente quaisquer conseqüências da vida ou da morte." (In: As Sandálias do Pescador)

Palavras, palavras e mais palavras... Desejo a você, leitor, um domingo acompanhado por muitas delas.

domingo, 6 de junho de 2010

Com que corpo eu vou?

Este texto foi publicado na Folha de São Paulo de 30 de jun. de 2002. Achei oportuno publicar porque retoma um ponto de vista que assumi num post anterior sobre o controle e a vigilância a que submetemos o corpo. Vale uma leitura!

Que corpo você está usando ultimamente? Que corpo está representando você no mercado das trocas imaginárias, que imagem você tem oferecido ao olhar alheio para garantir seu lugar no palco das visibilidades em que se transformou o espaço público no Brasil? [...] Fique atento, pois o corpo que você usa e ostenta vai dizer quem você é. Pode determinar oportunidades de trabalho. Pode signifiar a chance de uma rápida ascensão social.
Acima de tudo, o corpo que você veste, preparado cuidadosamente à custa de muita ginásticae e dieta, aperfeiçoado por meio de modernas intervenções cirúrgicas e bioquímicas, o corpo que resume praticamente tudo o que restou do seu ser é a primeira condição para que você seja feliz.
Não porque ele seja, o corpo, a sede pulsante da vida biológica. Não porque possua uma vasta superfície sensível ao prazer do toque - a pele, esse invólucro tenso que protege o trabalho silencioso dos órgãos. Não pela alegria com que experimentamos os apetites, os impulsos, as excitações, a intensa e contínua troca que o corpo efetua com o mundo. O corpo-imagem que você apresenta no espelho da sociedade vai determinar sua felicidade não por despertar o desejo ou o amor de alguém, mas por constituir o objeto privilegiado do seu amor-próprio: a tão propalada autoestima, a que se reduziram todas as questões subjetivas na cultura do narcisismo.
Nesses termos, o corpo é ao mesmo tempo o principal objeto de investimento do amor narcísico e a imagem oferecida aos outros - promovida, nas últimas décadas, ao mais fiel indicador da verdade do sujeito, da qual depende a aceitação e a inclusão social. O corpo é um escravo que devemos submeter à rigorosa disciplina da indústria da forma (enganosamente chamada de indústria da saúde) e um senhor ao qual sacrificamos nosso tempo, nossos prazeres, nossos investimentos e o que sobra das nossas suadas economias.

Maria Rita Kehl