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domingo, 7 de março de 2010


Durante a semana passada, após revisitar o quadro O quarto em Arles de Van Gogh, caí em pensamentos sobre a solidão. Esse quadro de Van Gogh dá a medida da solidão que era condição necessária à vida do pintor. A necessidade de proximidade humana fica declarada na escolha em pintar objetos duplicados. No decorrer da inúmeras internações pelas quais passou, Van Gogh aprofundou sua condição solitária e vivenciou a dor e o prazer de se fazer (ter sido feito) solitário.
O que me chama atenção ao refletir sobre conversas com amigos, letras de músicas e roteiros de filmes é que a solidão, geralmente, está associada a algo negativo que precisa ser solucionado, afastado, quando não, evitado. Contudo, esquecemos que a solidão faz parte da condição humana tal como o bem estar que sentimos quando estamos acompanhados. Em alguns casos, a solidão é até necessária, fundamental, para que possamos atingir determinados objetivos. Van Gogh é um desses gênios da arte que explorou a solidão (desejada ou não) e soube tirar dela as pérolas com as quais presenteou a humanidade. Mas não só ele. Enquanto escrevo lembro de outros solitários que, não fosse a solidão, dificilmente teriam garimpado o ouro de suas minas íntimas: Michelangelo, Caravaggio,Rembrandt, Leonardo da Vinci, entre outros. Para todos esses, a solidão foi imperativa e uma condição necessária.
Não fosse a solidão, Thomas Merton, monge trapista que optou pela vida eremita, não teria escrito os tantos livros que escreveu sobre espiritualidade nem as poesias que coloriram o jardim do mundo. Para Fernando Pessoa a solidão foi um campo fértil de onde colheu os frutos da sua produção literária. Ainda vale citar Clarice Lispector que, embora produzisse em meio às traquinices dos filhos, recolhia-se e lapidava a palavra que hoje encanta e desconcerta.
Em nossos dias, há todo um mecanismo ditado pelas novas tecnologias (a mídia, entre elas) que nos querem convencer de que a felicidade está onde os grupos se aglomeram. Essa mentalidade capitalista que rejeita toda e qualquer forma de solidão deve-se ao fato de que a manutenção desse sistema sempre foi garantida pelos grupos: a família, as grandes corporações, as igrejas, etc. Nesse emaranhado de coisas, o solitário é visto como um doente social que precisa ser tratado porque não se vislumbra no horizonte de sua vida a possibilidade de reprodução e manutenção de uma determinada ordem econômica e social.
Embora lancemos mão de tantas estratégias para driblar a solidão e hoje tenhamos tantos meios para evitá-la, ela é uma condição a que não podemos nos furtar. O que diferencia o solitário que somos de outros solitários é a maneira de vivenciar a parcela de solidão que nos cabe em vida. O escritor Herman Hesse,defensor fervoroso e explorador sagaz da solidão que o acompanhou, negou até o ocaso da vida toda e qualquer filiação às instituições que maculam essa condição humana fundamental e peremptória. Hesse descobriu que na solidão há cores tão vívidas quanto aquelas do quadro de Van Gogh. Isso é tudo.

2 comentários:

Guilherme Rossini disse...

Fantástico seu texto e abordagem. Parabens. Fico feliz de ter encontrado um amante da literatura - a qual tanto aprecio.
Foram citados grandes autores nesse artido. Vou acompanhá-lo e espero ver mais dessas obras tâo especiais. abraco

Tais Luso de Carvalho disse...

A solidão é necessária para a criação, seja artística ou literária. Jamais alguém deste meio poderá criar algo rodeado de gente.
Solidão não é abandono. São coisas totalmente diferentes e não a vejo como ruim. Até preciso dela. Gosto dela nas horas certas.

Como dizia Artur da Távola, 'quem tem vida espiritual jamais padecerá de solidão'.
Belo texto.
Bjs
Tais luso