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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um olhar sobre o feminino na literatura brasileira


Dando sequência ao post anterior que traz considerações sobre a obra A Hora da Estrela de Clarice Lispector, trago algumas palavras sobre Francisca Júlia, expoente da literatura de autoria feminina ainda desconhecida de muitos leitores.
Francisca Júlia da Silva nasceu em Xiririca(SP) no ano de 1871. Aos 14 anos, estréia como poetisa e aos 24 anos escreve seu primeiro livro, Mármores, obra prefaciada por João Ribeiro, consagrado crítico da época. Mais tarde, no ano de 1903, publica Esfinges, onde acrescenta alguns poemas inéditos aos já editados no primeiro livro. Escreve ainda dois livros em parceria com o irmão Júlio César da Silva: Livro da Infância (1899) e Alma Infantil (1912). Colaborou com jornais como O Estado de São Paulo, Correio Paulistano e Diário Popular, e periódicos do Rio de Janeiro com destaque para as revistas O Álbum e A Semana, especialmente.
A produção literária de Francisca Júlia arrancou daquele que foi o Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, as seguintes palavras de elogio e reconhecimento emocionado:
“Em Francisca Júlia surpreendeu-me o respeito pela língua portuguesa, – não que ela transporte para a sua estrofe brasileira a dura construção clássica: mas a língua doce de Camões, trabalhada pela pena dessa meridional, – que traz para a arte escrita todas as suas delicadezas de mulher, toda a sua faceirice de moça, nada perde
da sua pureza fidalga de linhas. O português de Francisca Júlia é o mesmo antigo português, remoçado por um banho maravilhoso de novidade e frescura”.
A poetisa foi parnasiana e simbolista; ora escrevia de acordo com a estética característica do Parnasianismo, ora aos moldes do Simbolismo.Como autêntica representante da escola que cultuou a forma, a beleza estética e a arte clássica, esmerou-se em provar que mulher sabia fazer poesia e poesia de qualidade e, desse modo, foi comparada à tríade parnasiana formada por Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira e assemelhou-se a Heredia com os sonetos “Dança das centauras” e “Os argonautas”. Frustrando todas as expectativas, foi em suas mãos que a lira parnasiana encontrou a perfeita concretização das condições que o Parnasianismo francês, em tese, reclamava. A esse respeito, asseverou o crítico Péricles Eugênio: “(...) com efeito, é plástica e sonora; a poetisa professou a arte pela arte, conheceu o 'mot juste', desejou a austeridade formal e sobretudo timbrou em ser impassível, coisa de que os outros parnasianos brasileiros não fizeram questão”.
A despeito da singularidade da sua obra, Francisca Júlia não ocupa o lugar de destaque que lhe é devido nos livros didáticos, história da literatura e antologia literária. O desconhecimento da exímia poetisa é quase que completo nos cursos do ensino fundamental, médio e superior. Pesquisas realizadas em bibliotecas da cidade de Garanhuns(PE) dão provas suficientes do esquecimento dessa que foi um marco na literatura de língua portuguesa e que fez o prefaciador dos seus livros, João Ribeiro, declarar:
“Nem aqui, nem no sul nem no norte, onde agora floresce uma escola literária, encontro um nome que se possa opor ao de Francisca Júlia. Todos lhe são positivamente inferiores no estro, na composição e fatura do verso, nenhum possui em tal grau o talento de reproduzir as belezas clássicas com essa frieza severidade de forma e de epítetos que Heredia e Leconde deram o exemplo na literatura francesa”.
O silenciamento a que a mulher do século XIX foi submetida se estende aos dias atuais quando vozes poéticas, como a de Francisca Júlia, desaparecem do cenário da literatura brasileira, das bibliotecas, escolas, universidades e da memória do povo.
Sobre os versos cuidadosamente arquitetados pela “Musa Impassível”, afirmou Júlio Ribeiro, “sua poesia enérgica, vibrante, trazia a veemência de sonoridades estranhas, nunca ouvidas, uma música nova que as cítaras banais do nosso Olimpo nos haviam desacostumado”. Abaixo, um pouco da poesia de Francisca Júlia:

MUSA IMPASSÍVEL I

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho, e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave o idílico descante.
Celebra ora um fantasma angüiforme de Dante;
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

Mármores (1895)

4 comentários:

Simplesmente Outono disse...

Passando para dizer olá.
Leio-te mais um pouco.
Com carinho, Simplesmente Outono.
http://www.simplesmenteoutono.blogger.com.br

Tania regina Contreiras disse...

Que bom esse resgate da figura feminina na literatura, na poesia. Não conhecia a Francisca, e vou aqui lendo com interesse sobre a poeta...

Saudações

Sonia Pallone disse...

Gosto das suas postagens e da forma envolvente de expressar os fatos e sentimentos. Um beijo.

ju rigoni disse...

Importante e esclarecedor sobre vários aspectos o seu post.

A primeira vez que tive contato com a biografia e a poesia da Francisca Júlia foi através da Eliane F.C. Lima, do blogue Literatura em Vida 2, e fiquei encantada com a sua coragem e o seu relativo sucesso numa época em que a poesia que vinha a público era produzida por homens.

Mas confesso que, ao ler seu texto, impressionaram-me também, as palavras de Bilac acerca da produção poética de Francisca. Ainda no blogue da Eliane, li num artigo, a carta enviada por ele à sua então noiva, Amélia de Oliveira, também poeta, onde expunha-se de forma preconceituosa em relação a mulheres que ousavam levar a público sua produção poética.

Eu diria, lógico, apenas como uma curiosa que sou do assunto, que o seu post e o da Eliane complementam-se, e levam-me a refletir sobre ações tão contraditórias de Bilac como homem e poeta.

Parabéns pelos blogue. Sigo-o. Bjs e inté!