Recife, 17 de fevereiro de 2014
Em janeiro do corrente ano, estive, por
ocasião das férias, em Ciudad del Este (Paraguay). Uma vez que atravessei a
Ponte da Amizade a pé, fui abordado por um dos milhares de moto-taxistas que
circulam entre Ciudad del Este e Foz do Iguazu (Brasil). Solicitei que me
deixasse num hostel e o moto-taxista
disse não haver hostel, mas bons hotéis
nas imediações da rodoviária. Seguimos e, chegando ao hotel, fui surpreendido
subitamente por uma situação deplorável e grotesca: indígenas acampados ao lado
da rodoviária e à mercê de toda sorte de violência material e simbólica.
Observei com olhos atentos e não tive como conter a pergunta sobre quem eram e
por qual razão estavam ali. O moto-taxista de pronto respondeu que eram
indígenas que não possuíam nacionalidade paraguaia. Ditas essas poucas palavras, suspendeu a
conversa e foi logo me conduzindo ao interior do hotel onde encontrei a proprietária
que me recebeu com diligência e prontidão.
Da janela do quarto onde fui acomodado, era
possível observar o movimento de homens, mulheres, jovens e crianças que,
desprotegidos e lançados à própria sorte, perambulavam entre as barracas
montadas e buscavam alternativas de sobreviver naquelas condições precárias e
sub-humanas mesmo quando a vida não era possível seguir dignamente. Dessa mesma
janela, fiz algumas fotografias e aproveitava para refletir sobre os possíveis
motivos daquele povo que um dia teve terra, comunidade, alimentação, o fruto da
árvore, a água do rio e a tribo onde descansavam da lida cotidiana estarem
submersos num mundo marginal e miserável.
Voltei muitas vezes à janela com a finalidade
de ver e entender aquelas condições. Recordo que, certa vez, senti vontade de
descer e perguntar diretamente a um deles ou ao grupo o porquê de viverem
miseravelmente às margens de uma região que não lhes oferecia as mínimas condições
estruturais. Mas esbarrei no medo que já haviam incutido na minha mente
estrangeira, turística e vulnerável às informações que me aconselhavam a não
conversar com os indígenas nem passar próximo ao acampamento a fim de salvar a
própria pele e evitar complicações que comprometessem minha viagem e vida. Não
obstante as recomendações reiteradas por moradores do bairro, a curiosidade persistia
e não me deixava em paz.
No último dia em Ciudad del Este, quando
deixava o hotel, interroguei a proprietária do hotel acerca dos indígenas ao
que respondeu que estavam ali há 10 anos e a ajuda humanitária que chegava era
desviada e embolsada pelos políticos, de maneira que a corrupção ajudava a
manter os indígenas naquelas condições desumanas.
Chegando ao Brasil, pus-me a coletar
informações sobre o que havia presenciado e obtive algumas esparsas e curtas
notícias em sítios na internet que diziam que no referido acampamento
encontram-se alojados índios pertencentes a duas tribos: Mbyá e Avá Guarani
(ambas oriundas das regiões paraguaias de Caaguazú e Caazapá). Segundo as
notícias encontradas, os indígenas já foram desalojados pela polícia local e devolvidos
às suas tribos, mas voltaram porque a terra não oferece condições de sobrevivência;
além dessa ação, os grupos foram acompanhados por um educador, designado pela
Secretaria da Infância ligada à Igreja Católica, a fim de dialogar e coletar
dados junto às comunidades para traçarem um plano de resgate. Protestos também
foram realizados com a finalidade de chamar a atenção das autoridades para o
problema.
O descaso dos políticos, que não resolveram o
problema dos referidos indígenas quando da sua instalação em Ciudad del Este,
abriu uma fresta para uma série de comportamentos e atitudes que, embora visem
a sobrevivência dos indígenas, não se justificam porque ferem a preservação da
vida. Nos arredores da rodoviária, crianças exigem dinheiro e ameaçam os
passantes com pedras até conseguirem o que pedem, a prostituição de
adolescentes e jovens é prática constante e recebe dos caciques o apoio e a
ordem que garantem sua manutenção e reprodução, as crianças usam entorpecentes
em plena luz do dia e há notícias de assassinato praticado pelos indígenas.
Diante do exposto, além da indignação que a
situação desencadeia, fica a inquietação acerca das ações do Poder Público,
responsável em garantir o resgate dessas comunidades, devolver-lhes as terras,
reinseri-los no universo cultural e simbólico que lhes pertence e permitir a
sanidade moral, ética, ou seja, comportamental desses grupos. Ademais, os
governantes, em vez de desviar as somas de dinheiro que chegam de organismos
internacionais, devem assumir a responsabilidade pela integridade desses grupos
indígenas que degeneram sob o olhar displicente e indiferente das autoridades
local e nacional que não vêm se mobilizando no sentido de solucionar
definitivamente os problemas que, dia após dia, ganham corpo e lançam raízes no
chão de Ciudad del Este.
Luciano
Taveira de Azevedo
Mestre
pela Universidade Federal de Alagoas
Professor
da rede pública estadual e municipal
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