"A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desecontros pela vida", disse o poeta. Hoje quero preferencialmente escrever sobre (des)encontros. Cada encontro humano não passa despercebido pelos nossos sentidos e afetividade. Somos, todos, afetados pelos encontros que travamos diariamente. Os efeitos da presença do outro nos afetam em diferentes proporções: uns mais, outros menos. O grau de positividade e negatividade deixada por aqueles que cruzam nossos dias também obedece dimensões diferentes. As horas passam e as pessoas passam deixando suas marcas singulares ou destrutivas. Em nosso arranjo existencial, psíquico e biológico engendramos as imagens, percepções e posições que o outro assume a nosso respeito. A partir desse tripé construímos uma concepção acerca de nós mesmos e nos comportamos a partir delas. Acabamos por assumir o estereótipo desenhado pelo outro e introjetamos imagens pré-concebidas. Então, durante a vida, vamos nos adequado às concepções e desejos alheios. Não há encontro humano neutro. Todo encontro social nos afeta sobremaneira e, na ciranda da vida, dançamos conforme a música, ou seja, conforme a normatização social, a ideologia e regras do grupo , as crenças, os mitos que carregamos ou nos são impostos e o pré-conceito que o outro tece a nosso respeito.
Durante a vida nos relacionamos com diversos tipos de pessoas. Com o passar do tempo, aprendemos a conviver com alguns deles, embora outros ainda nos escapem pelo grau de imprevisibilidade. Esses diferentes tipos determinam os tipos ou máscaras que assumimos na nossa caminhada existencial. Assim sendo, nossa liberdade é sempre liberdade cerceada, restrita às convenções sociais e individuais. No jogo psicológico que jogamos cotidianamente encarnamos comportamentos diferentes nas diferentes situações sociais. Vestimos a roupa que é mais adequada aquele momento e situação. O outro observa-me e determina o que deve dizer, como devo dizer e quando devo dizer. O mesmo vale para o comportamento, as escolhas e decisões.
No tabuleiro onde se encontram as peças ou tipos humanos nos deparamos com o tipo autoritário, solitário, carente, ranzinza, piedoso, fracassado, murmurador, intelectual, etc. Ademais, há aquelas pessoas convencidas que o outro deve estar sempre à sua disposição. Em algumas relações amorosas não é incomum acontecer isso. A lógica é a seguinte: "eu não quero me comprometer com você, mas quero-o sempre por perto. Afinal de contas, você supre, como ninguém, minha carência afetiva". São as ressonâncias da nossa sociedade funcional. A lei é não se responsabilizar pelo outro e sua felicidade, mas usar sua eficiência em preencher os vazios que outros não conseguiram ou ter servilmente à disposição os seviços afetivos e sexuais que dispõe. A lógica é cruel, uma vez que fere a dignidade da pessoa humana que merece ser amada pelo que significa em grandeza, singularidade e individualidade. Os princípios que norteiam nossas relações são aqueles da sociedade capitalista que visa acumular lucro em detrimento da valorização e promoção da vida humana. Vivemos a "era do ter". Raramente você escuta as pessoas usarem o verbo ser. Todos os dias você escuta a mesma ladainha: "eu tenho um celular com câmera", "eu tenho um carro do ano", "eu tenho namorado (a)", "eu tenho amigo(a)", etc. E dizem ter pessoas como se pessoa fosse mercadoria. Não obstante a mecânica neo-liberal ver em tudo um produto potencial a ser comercializado e gerador de lucros, para mim pessoa ainda é pessoa e traz outros caracteres bem diversos de uma mercadoria de supermercado. Nossa sociedade capitalista nos legou a lição de que mais vale aquele que tem e não aquele que é. Seguindo essa lógica desumana passamos a nos relacionar com as pessoas como se fossem produtos dos quais tiramos um proveito passageiro, provisório e depois descartamos para adquirir outro produto mais conveniente as nossas necessidades imediatas. Assim sendo, os encontros não são mais possibilidades de descoberta, encanto e enamoramento, mas desencontro daqueles que, iludidos pela proximidade física, se distanciam espiritualmente.
Alguns questionam meu modo "esquisito" de viver a vida. Esses camaradas que me esmagam com perguntas e conselhos dos mais variados se dobram facilmente à mentalidade dominante do grupo que assevera incisivamente: "a multiplicidade de relações irresponsáveis é fator de felicidade". Eu até acreditaria e seguiria o preceito se, tantos deles, para não dizer todos, não viessem a mim, após vivenciarem relacioamentos frustrados e vazios, e debulhassem um terço de reclamações e queixas. Assim sendo, prefiro permanecer no lugar que estou. Deixem-me em paz, porque sou feliz no modo de vida que construí para mim. Sou orientado por outros princípios, embora me pegue, tantas vezes, a dançar a mesma canção.
Um comentário:
Como já pudemos conversar, somos sós e somos juntos.
Vivemos esse paradoxo de ter uma existência única e intransferível cujo formato é modelado a partir da experiência com o outro. Com todos os outros.
Às vezes é difícil enxergar as motivações alheias. E ao outro entender as nossas. O segredo pode residir no exercício da compaixão, na capacidade de nos pôr no lugar do outro e - como você gosta sempre de dizer - de não julgar.
A proximidade superficial de tantos parece defender que "se pouco tenho é porque pouco quero e nada penso dar".
Se pode ser triste que pessoas se construam como espelho automático da massa, da maioria, de qualquer outro, mais trágico é a construção que os esboce através de coisas, de posses e não das gentes.
Uma vida tão curta e tão vã - este é o pecado original...
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