Hoje à noite recebi o telefonema de um amigo do Recife. Há pessoas que desconhecem o quanto são importantes para os outros. Um aceno gratuito dessas pessoas já valem mil palavras, abraços, cumplicidades. São como a chegada da primavera, que sempre traz um pouco mais de cor aos dias. Com esse amigo é assim... Ainda recordo suas palavras: "meia hora não é suficiente para escrever um texto, um comentário..." Eu diria que às vezes precisamos de uma vida inteira para escrever os textos que desejamos. Lutar com palavras é tarefa árdua que nos vence a cada tentativa. A gestação de um texto também tem seus incômodos, dores, ânsias e mal-estar. Seu nascimento sempre nos deixa a impressão de que ainda não é o bastante e seu crescimento e maturação vêm após longo período de re-criação verbal.
Mas, agora, falemos de felicidade: há felicidade num contato feito por alguém que há muito não vemos ou falamos. Há felicidade numa caminhada a dois, numa conversa amiga, num olhar trocado. Há felicidade numa sessão de cinema, na pipoca partilhada, nas risadas dadas. Há felicidade num sol que se põe, no curso da água de um riacho, na chuva que cai. Há felicidade num abraço, afago e no toque das mãos de quem se ama. Há felicidade no cuidado expresso, na mão no ombro, na carta recebida. Há felicidade no som ouvido, no silêncio feito, na música que se canta. Há felicidade nas páginas de um livro, nos passos da pessoa amada, na manhã que acorda. Há felicidade na vitória alcançada, nas dunas pisadas, na viagem realizada. Há felicidade no telefonema recebido, no aperto de mão, no reconhecimento sincero. Há felicidade na amizade gratuita, no mar contemplado, na vida daqueles que amam incondicionalmente. Em tudo isso, há felicidade.
A felicidade é uma colcha de retalhos que costuramos todos os dias no percurso da nossa construção pessoal e coletiva. Ela não nos chega de um única vez. Nem se dá gratuitamente. É preciso construí-la, reconhecê-la. Não deixei de ser feliz com as pessoas que cruzaram meu caminho. Mesmo aquelas com quem não fui tão feliz assim... Em todas as situações de encontro e re-encontro me esforcei por reconhecer a dose de felicidade que envolvia os momentos singulares que vivenciávamos.
Na verdade, cada escolha que fazemos, cada decisão que tomamos, cada gesto de carinho, atenção e compaixão têm por finalidade a felicidade. Encontrei felicidade onde não esperava encontrar. Descobri ao longo dos anos que de nada adianta a inquietude na busca da felicidade. Não adianta apressar o rio. Ele corre sozinho. A felicidade está aqui e agora. Está nas ocasiões mais triviais e fortuitas. Está naquilo que buscamos, mas também naquilo que não buscamos e que nos chega todas as manhãs como possibilidades irrepetíveis de construção de realização pessoal. Para ampliar o que digo, cito Valfredo Tepe em O Sentido da Vida: "todo dia é uma página, todo minuto uma linha em nosso livro. O ditado: o que passou, passou não pode ter o sentido de desapareceu. O pretérido é talvez a forma mais segura do existir. No reino do passado permanece o que se passou não apesar, mas justamente em virtude de ser passado, de se ter passado. O futuro é para nós ainda incerto, condicional. O presente é a possibilidade de escolha, pois viver é selecionar, a cada momento, dentro da fartura de possibilidades, uma única. Essa será salva do aniquilamento, as demais desaparecem na voragem do não realizado e nunca mais realizável". A felicidade está, de certo modo, condicionada às escolhas que fazemos na vida. As escolhas determinam substancialmente nossa felicidade. O telefonema do meu amigo me abriu a oportunidade de ser feliz. Acolhi, conversei, ri, escutei. Escolhi o encontro humano e me sinto completo. Essa é toda felicidade. A vida nos oferece múltiplas possilibidades, mas só as oferece uma única vez. As chances não se repetem. Devemos estar atentos às possibilidades que a vida, na sua generosidade, nos oferece todas as manhãs para sermos felizes. Eu fiquei com a melhor parte: saí do meu isolamento e encontrei o outro na sua sinceridade, transparência e abertura. Vou dormir com um sentimento de gratidão à vida e ao meu amigo que criou as condições necessárias para que fosse feliz no dia de hoje.
Um comentário:
Penso às vezes na insanidade dos patrícios que se lançaram pequenos no mar oceano. O que vemos da Terra, por satélites aumenta espanto: tanto mar, tanto mar...
E depois de meses, de gente morta e de gente perdida, uma folha aqui, uma ave ali adivinhavam o fim da jornada e o reinício da vida àqueles para quem morrer se tornara uma seqüência melancólica e inexorável.
Algumas pessoas que encontramos na vida são como essas folhas costeiras num oceano de medo e solidão. São como aves que nos mostram ares mais leves, aragens perfumadas. Ou são como a própria terra firme que nos recebe, abriga e alimenta nos caminhos em que navegamos pela vida.
Algumas pessoas, alguns amigos, são como terra firme, que desejamos descobrir mas que não temos certeza de que, de fato, venhamos a encontrar.
Beijão, Luciano.
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