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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Pra vida carnavalizar...


A festa segue seu curso e os clarinetes anunciam que seu fim não está próximo. Mal amanhece o dia, ouço do quarto onde descanso da noite de abertura, o ribombar dos blocos e troças que, céleres, percorrem as ruas do Recife a esbanjar folia.

No fim da manhã, segui para Olinda com um amigo que queria prestigiar a dança e o talento de uma amiga. Acompanhamos o grupo de dança que, em passos marcados pela sincronia do ritmo africano, sobem e descem as ladeiras. No embalo do som dos pratos, clarinetes e tambores nos entregamos a mais bela condição humana: a transcendência. O som, o ritmo, a dança, a coreografia, o sincronismo de vozes e corpos: tudo conspirava a favor de uma experiência outra, não apenas aquela imediata, imanente e prosaica, mas aquela do deslumbramento e encantamento. É uma pena que a modernidade, com todo seu aparato tecnológico, produza homens apáticos à realidade que os norteia e incapazes de encantamento. Li, certa vez, no livro O Mundo de Sofia de Jostein Gaarden que filosofar é encantar-se com a vida. Mas o encantamento não é condição básica apenas do filósofo ou do ato filosófico. É, antes de tudo, condição indispensável a qualquer ser humano que luta contra o desespero e a loucura dos dias. Falta-nos essa atitude simples, mas não fácil, de encantar-se com o cotidiano, a realidade, o corriqueiro.

No domingo conheci o carnaval de Bezerros. Já conhecia esse carnaval de ouvir dizer e, diga-se de passagem, os comentários eram os melhores. Inicialmente relutei em aceitar o convite, mas depois me rendi e viajei. A festa faz jus aos comentários feitos. Nada extravagante nem simplório. Há um misto de simplicidade e sofisticação na decoração das ruas e casas. Quando do retorno, paramos num restaurante e conheci dois estrangeiros que faziam parte de um grupo de maracatu (nem sabia que estrangeiro gostava de maracatu a ponto de formar grupos e sair cantando e dançando por aí). Um deles é mexicano mas há anos mora na Dinamarca e o outro é dinamarquês. Trocamos algumas palavras e o mexicano me falou da valorização do maracatu no mundo. Fiquei impressionado! Não imaginava que esse bem cultural tivesse tamanha expressão em países que julgava não se interessarem por cultura produzida em países subdesenvolvidos e, por isso, considerada cultura de sucata. Vivendo e aprendendo...

Na segunda-feira conheci a tão famosa Noite dos Tambores Silenciosos. É algo impressionante e recomendável. As indumentárias dos componentes das Nações de Maracatu são belíssimas, a alegria que estampam é sincera e a louvação que fazem pelos ancestrais arrepia os ossos. Não hesitei em fotografar e, em meio a tantas fotografias que fiz, uma me chamou particular atenção, por que retrata o sorriso espontâneo de uma menina em seu momento mais glorioso. Seu cotidiano, como será? Que faz no dia-a-dia? Que sonhos nutre? Que dificuldades enfrenta? Sabemos que os integrantes das Nações de Maracatu são oriundos da periferia. Aquela festa os promove, os projeta e, por uma noite, faz de todos eles, destaques. Aquela menina olha para a câmera e abre um largo sorriso que se traduz em alegria, por ser, ao menos uma vez no ano, reconhecida por um estranho que por ali passa e admira sua indumetária, dança e fidelidade à nação.

Esse ano aproveitei o carnaval de Recife e Olinda como nunca aproveitei nos anos anteriores. Muitas foram as impressões deixadas, mas quis me ater a essas. A alegria do carnaval se transformou em ensinamento que levarei para meus dias.

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